Não Tenha Medo de 2016...Talvez Precisemos de Um Ano Pior

Publicado 28.12.2015, 17:39

“Num ano que parecia terminar otimista para a maioria dos povos, o Brasil fez questão de remar contra a maré.

Uma pesquisa efetuada em 35 países pelos institutos de pesquisa Gallup, norte-americano, e Doxa, italiano, pusera os brasileiros em penúltimo lugar em otimismo, só à frente dos turcos. A principal razão do desencanto era a inflação anual de três dígitos e quase sempre ascendente que varrera o país durante a década – já classificada como “perdida” pela então oitava economia do mundo.

Dois anos antes, em 1986, o governo brasileiro lançara o Plano Cruzado, tendo como base o congelamento de preços e salários. Realmente a inflação desapareceu como que num passe de mágica, e o PIB cresceu 7,5%. Mas todos os sonhos caíram por terra logo após as eleições de 15 de novembro, na qual o PMDB, do presidente José Sarney, obteve uma vitória estrondosa.

Os preços, represados artificialmente, se soltaram de repente, e os salários voltaram a ser reajustados, não raro mensalmente. Em meio às notícias das festas de réveillon, O Globo e o Jornal do Brasil anunciavam que no dia 2 de janeiro de 1989 os exemplares vendidos nas bancas sofreriam um aumento de 40%, passando de 250 para 350 cruzados, e 500 nos domingos. Informavam também que as passagens do metrô do Rio subiriam 24%, para 155 cruzados.

Os mesmos jornais desfilavam sombrias estatísticas econômicas de fim de ano. Entre elas, via-se que os salários haviam subido 585% em 1988, contra uma inflação anual de 933,6%, configurando um dos maiores arrochos da história do país.

Para 1989, tudo indicava que o cenário seria ainda pior. A empresa de consultoria Macrométrica, do economista Francisco Lopes, previa para o ano que se iniciava uma inflação, na melhor das hipóteses, de 1500% (o número atingiria 1973%)”

Esses são alguns dos primeiros parágrafos do novo livro, “Bateau Mouche”, do escritor brasileiro Ivan Sant’anna; pra mim, um dos melhores escritores brasileiros da atualidade.

Ivan Sant’anna já escreveu ficção e “não-ficção”, escreveu sobre o mercado financeiro e sobre desastres aéreos, e sem superficialidades; detalhes são expostos de maneira a nos manter presos as suas inúmeras narrativas.

O último trabalho, o livro “Bateau Mouche”, busca recontar, com novas perspectivas e após 28 anos, um dos maiores desastres que se tem notícia em terras brasileiras; nesse caso, um dos maiores desastres da navegação brasileira, ocorrido na passagem do Ano Novo de 1988 para 1989, que aconteceu na Baía de Guanabara, cidade do Rio de Janeiro; o naufrágio do barco “Bateu Mouche IV” que matou 55 pessoas.

No entanto, a despeito de mais um excelente livro, o que cabe ressaltar aqui nesse artigo, ressaltar e resgatar, é o contexto político-econômico sob o qual se registrou tal desastre.

Os parágrafos destacados acima por Ivan Sant’anna no início de seu novo livro não deixam dúvidas.

O Brasil vivia um período negro; e as expectativas para o ano de 1989 não guardavam melhoras; afinal, segundo registros do próprio autor, do ponto de vista de otimismo ao redor do mundo, estávamos apenas na frente dos turcos; do ponto de vista econômico, a Consultoria Macrométrica previa um inflação de 1.500% em 1989.

Passados 28 anos; sim; exatos 28 anos, voltamos ao mesmo patamar.

Os últimos meses e, porque não dizer, os 3 últimos anos, têm nos reservado decepções, forte queda no PIB, uma inflação resistentemente alta, aumento na taxa de desemprego, contabilidades criativas e desesperança.

É óbvio que não somos obrigados a estarmos recorrentemente bem, felizes, com altas taxas de crescimento econômico, etc, etc, etc.

Mas, daí estarmos numa direção completamente, escandalosamente oposta, vai uma grande distância.

O Brasil conseguiu piorar depois daquele acidente trágico do “Bateau Mouche”, em 1988.

Sim...para os mais jovens é difícil imaginar como conseguimos piorar; para os “não tão jovens assim”, é apenas uma questão de recordar e lembrar o quanto fomos capazes de piorar após 1988.

Entretanto, em 1992 veio o Impeachment de Fernando Collor de Melo; em 1994, o Plano Real, um dos maiores planos de estabilização monetária do mundo. Em seguida, o Brasil conseguiu enxergar, perseguir e atingir um novo patamar.

Resgatamos a nossa auto-estima, passamos a ter uma moeda verdadeiramente “moeda”, e não apenas um “papel-moeda”, resgatamos um pouco a real figura do Estado, regulador e provedor de questões básicas, e não produtor e intervencionista, nos modernizamos e ganhamos credibilidade internacional.

Estamos em 2015.

Será que conseguiremos piorar em 2016? Talvez...

Assim como em 1989, o “talvez” seja necessário...

Pioramos, "esticamos a corda", estouramos as bolhas de ativos que se formaram ao longo dos últimos anos...todas, sem exceção.

Nos tornaremos mais realistas.

Passaremos a entender que riqueza não se constrói sem esforço.

Um imóvel de 100 m2 não pode custar, nos padrões brasileiros, 1 milhão de reais...

A não ser que batalhemos por isso, a não ser que o brasileiro médio ganhe pra isso, e, não, porque o minério de ferro subiu 10 vezes de 2004 a 2010, o governo federal inundou o mercado de crédito ou mesmo porque seu vizinho acha que aquele kitnet de 30 metros quadrados vale R$ 200 mil porque inaugurou o shopping mais moderno do Brasil, o metrô inaugurou mais uma linha ou mesmo porque aquele outro seu vizinho vendeu um "igualzinho" ano passado por R$ 230 mil.

Passaremos a entender que um auxiliar contábil não pode ganhar R$ 10 mil no serviço público, enquanto o mesmo auxiliar ganha R$ 2 mil no setor privado.

Passaremos a entender que não cabe apenas ao funcionário público usufruir de certos produtos e serviços, o setor privado, aquele que o sustenta, também tem o direito de ter acesso ao mercado de consumo.

Passaremos a entender que não cabe ao Estado produzir, cabe ao Estado prover serviço público decente e de qualidade, em contrapartida àquele que o sustenta e o financia.

Passaremos a entender que não cabe ao Estado intervir, cabe ao Estado regular, fiscalizar e delimitar regras e condutas.

Passaremos a entender que não só de Copa do Mundo, Olimpíadas, mar, montanha e belas mulheres, se faz um país; precisamos de Educação, criatividade e trabalho. .

Uma Nação não se faz com bravatas, promessas, engodos e “frases de efeito”.

Não importa que 2016 possa ser pior do que 2015.

Sempre há espaço pra piorar; em particular, no “Brasil atual”.

E que venha 2016.

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