A principal novidade nas últimas semanas foi o movimento de alta nos juros americanos longos. Essa mudança de patamar das treasuries de dez anos levanta duas questões importantes para o debate.
A primeira é entender o motivo pelo qual aconteceu? Quais as razões para essa subida? E a segunda é: ela pode permanecer por mais tempo nesses níveis?
Na minha opinião esta abertura de curva não tem a ver com a questão do FED até porque, quando nos distanciamos um pouco para observar, vemos que o juro mais curto não subiu tanto. Ou seja, este movimento foi visto apenas na ponta mais longa.
Por outro lado, o que vemos na leitura das taxas curtas é que a probabilidade de parada no ciclo de aperto da política monetária pelo FED nas próximas reuniões continua grande.
Com isso, o mercado projeta 10% de chance de uma alta na próxima decisão e para o encontro subsequente essa probabilidade aumenta para algo entre 20% e 30%. Em resumo, o que se espera é o juro estável em 5,5% a.a., que também é o nosso cenário base.
Portanto, não parece ser a política monetária a razão pela qual a curva longa nos Estados Unidos abriu.
Para explicar este movimento, podemos listar três razões principais. O primeiro. Na virada de junho para julho, com a resolução do Teto da Dívida americana, houve o anúncio do cronograma do Tesouro para emissões de novas dívidas.
O que aconteceu é que o caixa do Tesouro Americano zerou ao bater o limite de emissões e precisou se limitar a consumir apenas os recursos disponíveis.
Este processo gerou uma necessidade de realizar novas operações por um período maior de tempo com o objetivo de recompor o caixa. Foi este o primeiro ponto observado para explicar o aumento das taxas.
O segundo fator é a política de controle da curva (yield curve control) do Banco Central do Japão (BoJ).
De forma resumida, o Banco Central do Japão limita o teto da taxa de juros do título longo de dez anos e até então este limite era de 0,5% ao ano.
Caso a taxa subisse acima desse patamar, a autoridade monetária defenderia este nível com a compra acima do preço a fim de empurrar a taxa para baixo.
Na virada do mês de junho para julho, houve uma mudança nessa postura e isso aumentou essa banda de 0,5% para 1,0% a.a., o que fez com que as taxas de juros no Japão também subissem.
Por ser o país um grande demandante de treasuries, isso acabou gerando impactos nos títulos americanos.
O terceiro fator que também ajuda a explicar essa questão é que, durante o período citado (junho e julho), houve uma mudança de demanda dos detentores grandes de treasuries com China, Japão e Arábia Saudita, que são grandes acumuladores de reservas, diminuindo as compras na margem.
Explicadas essas três razões, a grande pergunta que fica é: os juros nos Estados Unidos podem continuar a subir?
Para termos uma ideia, as taxas de juros das treasuries de 10 anos saíram 3,75% a.a. e foram para 4,25%, 4,30% e agora retornaram para 4,10% a.a. Então, a grande pergunta que deve ser feita é: treasuries poderiam romper o patamar de 4,5% e ir para 5,0% a.a.?
Acreditamos que não, pois uma parte do movimento descrito acima já corrigiu as taxas em 50 pontos base. Desta forma, a demanda maior já parece ter sido acomodada. Desta forma, para que a curva siga em movimento de abertura seria necessário algum novo efeito na margem.
O principal evento causador seria uma eventual alta de juros do FED além do esperado caso a economia ainda esteja com a atividade forte e a inflação pressionada.
Contudo, a autoridade monetária dos EUA, por meio de sua ata, já demonstrou uma divisão sobre ter uma alta adicional ou manter a taxa parada.
Acreditamos na manutenção em 5,5% a.a., pois já existem elementos na inflação e na desaceleração da criação e abertura de vagas no mercado de trabalho que dão conforto para a permanência dos patamares atuais, sem a necessidade de altas adicionais.
Na China, vimos realmente uma desaceleração maior que o esperado nos dados do segundo trimestre. O início do terceiro está um pouco mais devagar do que era a nossa expectativa, mas vemos o governo tomando medidas.
Por isso, continuamos com a ideia de um crescimento em torno de 5% e para 2024 algo também em torno de 5%, com a média de 2023 e 2024 neste patamar.
Algumas medidas, apesar de guardarem pouca força individualmente, quando acumuladas, tendem a trazer um efeito positivo, pois estão na direção correta.
Exemplo disso foi a flexibilização do crédito imobiliário, corte de juros, aumento de crédito para as empresas, liberação para províncias emitirem dívidas, além de suporte para a economia via expansão fiscal e monetária.
Ou seja, apesar do ruído de curto prazo, a visão para a China ainda é benigna apesar da ausência da chamada “bala de prata” para a retomada da atividade.
Olhando para o Brasil, mudamos de estágio em relação às preocupações fiscais.
Passamos da aprovação do arcabouço e agora entramos na parte da execução.
Em outras palavras, agora as atenções estarão voltadas para os mecanismos que o governo utilizará para entregar um superávit próximo de 0% em 2024.
Estamos enxergando algo acima desse patamar, mas, teoricamente, o Executivo terá que enviar medidas até o final de agosto para poder endereçar a questão do primário no ano que vem.
A questão da tributação das Offshores e dos Fundos Exclusivos, anunciada no último dia 28 de agosto via MP assinada pelo presidente Lula, são alguns dos pontos que estavam no radar.
Provavelmente também teremos a questão da JCP em breve e outras medidas, além das que já foram tomadas anteriormente, como a tributação das apostas online e a reoneração dos combustíveis.
Essa dúvida em relação a execução não será dirimida em breve. Desta forma, o governo tem um certo prazo, mas a aprovação do arcabouço e a sua execução demandará negociações com o Congresso.
Em resumo, entramos em uma fase na qual precisamos que o governo realmente cumpra o que está sendo proposto no sentido de sentirmos os efeitos práticos disso.
Para o déficit zerar no ano que vem, serão necessárias algo entre R$150 e R$200 bilhões de receitas adicionais.
Contudo, ao excluir a questão fiscal, o resto do cenário é favorável para o Brasil em termos da dinâmica da economia.
A percepção de risco melhorou e isso faz com que o mercado precifique os cortes de juros, o que ajuda na melhora do ambiente como um todo.
A inflação continua bem comportada, com uma ou outra pressão sazonal, como o reajuste da gasolina, mas ainda assim com os núcleos em tendência de melhora, com serviços em queda e bens deflacionários.
A boa notícia é que este conjunto de elementos forma um cenário favorável para que o Banco Central possa cortar os juros.
Em nosso cenário, esperamos mais um corte de 0,50% na próxima reunião e acelerando para 0,75% nas duas últimas reuniões do ano, com a Selic encerrando 2023 em 11,25% a.a.
Para 2024, esperamos uma continuidade do ciclo até 9% a.a. Este movimento será bastante relevante em termos de impulso monetário para a economia uma vez que você vai sair de uma taxa real em torno de 9% para algo na casa de 5% a.a.
Ao olharmos o histórico, esse “bônus” tende a trazer ganhos interessantes para a atividade do país, com projeções de crescimento que podem vir acima dos patamares atuais.
Até a próxima e bons negócios!