Temido por investidores do mundo inteiro, o urso está de volta e desembarcou com fome na praça mexicana. Desde a recuperação ascendente de preços iniciada em 2016, o urso até tentou aparecer no México, aproveitando-se do temor criado pelo mercado em torno da candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, mas sem sucesso.
Seguindo o ambiente global extremamente positivo e de intensa busca por ativos de risco, a praça mexicana entrou em 2017 dentro de um forte rali, dando sequência à trajetória iniciada em 2016. Os investidores locais (e estrangeiros que compraram México este ano), pouco se importavam com a agenda de Trump para negociação do Nafta (bloco econômico formado por Estados Unidos, Canadá e México).
Atualmente, o maior parceiro comercial do México são os Estados Unidos, disparado. Essa ficha parece enfim ter caído no mercado. Conforme alerta de Wilbur Ross, Secretário de Comércio dos Estados Unidos, o fim do Nafta seria especialmente devastador para o México. Obviamente os Estados Unidos também seriam prejudicados, mas em menor intensidade. A visão da Casa Branca é a de que não conseguir um acordo é melhor do que ter um acordo ruim.
Um sinal de que a agenda de negociação não está avançando é o fato de os principais ministros dos Estados Unidos, Canadá e México, com autoridade sobre o Nafta, não estarem presentes na quinta rodada de discussões que ocorre nesta semana na Cidade do México. Apenas grupos de negociação de nível inferior se reunirão a partir desta sexta-feira.
As autoridades de alto nível destes três países se encontraram anteriormente na cúpula dos líderes da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), realizada no Vietnã. O encontro possivelmente não superou o desgaste acumulado no passado, que ficou nítido quando as autoridades norte-americanas relataram desapontamento com as discussões.
Os Estados Unidos querem firmar um novo pacto até março de 2018 e entre suas principais exigências estão o aumento da cota de produtos fabricados no país, principalmente para o setor automotivo, melhores leis trabalhistas no México, mudanças no processo de resolução de disputas e uma cláusula de caducidade que poderia forçar a renovação do acordo a cada cinco anos, ou suspendê-lo caso ao menos um dos membros não desejasse estendê-lo por mais 5 anos.
Apesar de o FMI (Fundo Monetário Internacional) ter ratificado neste mês que a economia do México segue resiliente, principalmente pela redução do déficit (pouco inferior a 50% do PIB) e melhora na regulamentação financeira, o urso está rugindo alto na praça mexicana.
Atualmente, a bolsa do México é negociada aos 203,94 pontos, acumulando mais de 20% de queda desde pico registrado em julho deste ano, aos 255,83 pontos. Normalmente, analisas e investidores consideram mercado em ciclo bear quando a queda ultrapassa os 20% desde o último topo. Já mercados em ciclo bull são considerados quando a valorização ultrapassa 20% desde o último fundo.
O temor com a negociação do Nafta não é o único motivo que pode explicar a virada para bear market no México. A inflação local está em 6,37%, muito acima da meta de 3% a ser perseguida e o Banxico (Banco Central mexicano) não subiu a taxa básica de juros na última reunião de Comitê, atualmente em 7%.
O Banxico quer apostar num cenário de recuo da inflação no futuro, embora as condições atuais não estejam jogando a favor. Nós brasileiros conhecemos bem os perigos dessa estratégia. A taxa de juros do título da dívida soberana do governo mexicano, com vencimento em 10 anos, disparou de 6,70% no final de junho para 7,37%.
A moeda local também está levando um baile. O peso mexicano saiu dos 17,44 dólares em julho deste ano para 19,23 dólares. Agenda externa complexa, inflação alta, juros futuros disparando e câmbio derretendo não combinam com autoridade monetária sem ação.
Não por acaso, ou injustiça, o urso apareceu no México. A bolsa local acumula 12 semanas seguidas de queda, num movimento bastante atípico e que chama atenção do mercado, pois é a primeira praça financeira relevante a entrar em bear market desde 2016, abrindo possibilidade de contaminação para outras praças consideradas esticadas por alguns analistas.
Ainda não é possível afirmar se o sell-off no México tende a ser um evento local, mas o fato é que outras economias, principalmente as emergentes, incluindo o grupo dos cinco frágeis, estão começando a ver suas moedas serem depreciadas em relação ao dólar, taxas de juros futuros (referência títulos de 10 anos) subindo e bolsas cedendo.
O mesmo urso que bebe tequila também pode apreciar uma vodka, caipirinha, entre outras “bebidas”, ou não. Ao investidor brasileiro, cabe o velho conselho de não creditar peso relevante aos acontecimentos do nosso circo doméstico, como tem feito a mídia local, pois, antes de tudo, somos dependentes do cenário externo.