Os mercados internacionais ampliam os ganhos de ontem, após a Casa Branca e o Congresso dos Estados Unidos fecharem acordo sobre um pacote trilionário de estímulo à economia norte-americana, em meio aos impactos do coronavírus. Os índices futuros das bolsas de Nova York reagem à medida em alta, embalando as praças europeias, ao passo que o dólar cai e o petróleo sobe, com o exterior sinalizando uma continuidade do rali.
Esse comportamento lá fora pode impulsionar o Ibovespa para além dos 70 mil pontos e trazer o dólar para mais perto da faixa de R$ 5,00 - ou menos - diante do aumento do apetite por ativos de risco entre os investidores. Mas tudo vai depender da reação dos negócios locais à fala do presidente Jair Bolsonaro ontem à noite.
Em pronunciamento nacional, ele declarou que a rotina no país deve “voltar à normalidade”, defendendo o fim do “confinamento em massa” e criticando a quarentena adotada por alguns governos estaduais, sob o conceito “de terra arrasada”, por causa de uma “gripezinha”. Enquanto ele falava, ouvia-se panelaço em várias cidades brasileiras pelo oitavo dia seguido.
As declarações de Bolsonaro causaram perplexidade no Congresso Nacional, com os parlamentares chamando o presidente de irresponsável por confundir a população. Afinal, o pronunciamento dele contraria as recomendações da principal entidade internacional no assunto, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em relação ao isolamento social.
Mas a fala de Bolsonaro, que está em sintonia com o posicionamento do presidente dos EUA, Donald Trump, reflete a visão de que o custo econômico do “confinamento” pode provocar outras mazelas, como o desemprego, falências de empresas e até o aumento da criminalidade. Porém, há quem defenda apenas o combate ao vírus.
Só que parece ser impossível agir nas duas direções. O pacote de US$ 2 trilhões firmado entre Executivo e Legislativo nos EUA, por exemplo, visa ajudar mais trabalhadores e empresas, bem como estabilizar o sistema financeiro, do que adotar ações capazes de preservar vidas e evitar um o colapso do sistema de saúde, ao conter a disseminação da doença.
Ainda assim, o mercado financeiro resolveu “dar bola” aos pacotes e medidas de governos e bancos centrais. Só que nada impede a volta da aversão ao risco em breve, uma vez que os esforços para bloquear o coronavírus não parecem tão eficazes quanto as ações para dirimir os impactos econômicos da pandemia. Ou seja, a situação ainda é muito delicada.
Efeito Orloff
Mas ao invés de bloquear a propagação do coronavírus, o Ocidente parece disposto em antecipar os bloqueios (lockdown) nas cidades. Tudo isso porque a vida está voltando ao normal no outro lado do mundo e os países do lado de cá sentem agora, “na pele”, o impacto das medidas draconianas para vencer a doença.
É interessante notar que, enquanto a China sofria para conter o surto no começo do ano, adotando rígidas medidas de restrição à população às custas de paralisar toda a economia, o mercado financeiro acreditava que se tratava de algo localizado e, dificilmente, iria se espalhar pelo mundo. Assim, pouco foi feito mundo afora para impedir a chegada do vírus, controlando a disseminação.
Agora que, depois de quase três meses, o número de casos no país asiático vem diminuindo e a cidade chinesa de Wuhan, epicentro do surto, já tem até data para ser desbloqueada, os investidores acham que no Ocidente irá acontecer o mesmo - em uma sensação de “eu sou você amanhã”, do clássico comercial da vodka Orloff nos anos 1980.
Mas enquanto a Itália parece estar próxima ao ponto de inflexão da doença - apesar do novo aumento de óbitos ontem, depois de dois dias de queda, vindo de quatro recordes seguidos - os Estados Unidos já são o terceiro país com o maior número de casos confirmados. No Brasil, registra-se o dobro de casos a cada três dias, com o país caminhando para superar 5 mil casos no fim de semana.
A própria OMS vê potencial para os EUA se tornar novo epicentro de coronavírus, em meio à “aceleração muito grande” de casos, com a metade concentrada na cidade de Nova York. Mas Trump sabe dos riscos do isolamento social à reeleição, ainda mais se a taxa de desemprego subir a 30% e a economia norte-americana encolher à metade. Por isso, ele defende o fim da quarentena na Páscoa, em meados de abril.
IPCA-15 em destaque
A prévia da inflação oficial ao consumidor brasileiro em março, medida pelo IPCA-15, é o grande destaque da agenda econômica do dia. A expectativa são de números fracos. O resultado mensal, de +0,05%, deve ser o menor para o mês desde o início da série histórica, em 1994, enquanto a taxa acumulada em 12 meses deve ficar abaixo do alvo perseguido pelo Banco Central para o ano, de 4%.
Os dados efetivos serão conhecidos às 9h. No mesmo horário, sai o desempenho do setor de serviços em janeiro. Juntos, esses indicadores tendem a calibrar as expectativas em relação a novos cortes na Selic em breve, diante da atividade frágil e da inflação comportada ainda antes de a economia brasileira enfrentar a crise do coronavírus.
Ainda na agenda doméstica, sai a confiança do comércio em março (8h), além dos dados do BC sobre o setor externo em fevereiro (9h30) e sobre o fluxo cambial semanal (14h30). Já no calendário norte-americano, merecem atenção os pedidos de bens duráveis em fevereiro (9h30) e os estoques semanais de petróleo bruto e derivados nos EUA (11h30).