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Mercado: para surpresa de muitos, estamos todos no mesmo barco

Publicado 23.01.2023, 10:49
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Covid-19 explodindo na China, inflação dando sinais de trégua nos Estados Unidos, ataques contra o patrimônio público em Brasília e um rombo de R$ 20 bilhões nas contas de uma das maiores varejistas do Brasil. Nossa! Nem parece que ainda não completamos o primeiro mês de 2023.

Em comum a tudo isso foi a atenção de muitos em relação à reação do mercado a tais acontecimentos. Como o mercado reagiu aos atentados contra a democracia na capital do país? Como o mercado reagiu ao furo bilionário na contabilidade das lojas Americanas (BVMF:AMER3)? E ao provável crescimento da China no ano, que deve puxar o preço de commodities e nos beneficiar aqui no Brasil?

A cada um dos eventos, observamos o mercado reagir de uma maneira. O dólar caindo diante de expectativas de uma China pujante em 2023, e um Brasil que seguirá na esteira das exportações de insumos para essa recuperação. A bolsa subindo após sinalizações de que a integridade das instituições brasileiras seria mantida, assim como a normalidade democrática, após as invasões de 8 de janeiro. Os fundos de crédito privado com exposição à dívida emitida pela Americanas sofrendo, enquanto as ações da empresa derretiam na bolsa e prejudicavam o desempenho do nosso principal índice de ações (o famoso Ibovespa).

Mas o que isso significa? O que há por trás do tal “mercado” que tanto se fala, se observa e se noticia?

Mercado: uma criatura amorfa e misteriosa?

Para a surpresa de muitos, o mercado não é uma criatura amorfa, misteriosa ou mesmo com vontade única e própria. Pelo contrário. O tal mercado é composto por pessoas comuns, como eu e você.

O mercado é composto pelo conjunto de pessoas com todo e qualquer tipo de participação em transações financeiras no país. Por exemplo, uma mãe de 4 filhos que financia sua casa em um programa de habitação popular, pagando amortização e juros de seu financiamento bancário. Ela faz parte do mercado? Sim.

Já um grande investidor, com milhões aplicados dentro e fora do país; ele é parte do mercado? Sim. E o pequeno empreendedor que financiou o imóvel para seu negócio nascer; o grande empresário que emitiu dívidas para financiar o aumento do negócio, empregando centenas de trabalhadores? Também!

E você, com o dinheiro investido na poupança, em um CDB, em ações ou no fundo de pensão com coparticipação da empresa na qual trabalha? Adivinha? Pois é. Você também, muito provavelmente, faz parte do mercado.

Entendo que você possa, nesse momento, estar pensando “mas eu não tomo nenhuma decisão sobre para onde vai o dólar, ou se a ação X cai ou sobe, muito menos sobre onde os juros e a inflação estarão amanhã”.

Certo. Vamos à segunda parte: quem gere esse dinheiro de todo mundo? Seja na poupança, no fundo de pensão, ou na conta corrente do banco? Quem efetivamente toma as decisões?

Também é muita gente: funcionários de bancos, gestores de fundos de investimento, investidores estrangeiros, gestores de fundos de pensão. O trabalho de todas essas pessoas é entender o cenário hoje e antecipar o que acontecerá amanhã, tendo retorno nessa troca para seus clientes.

Mercado: como se move?

Assim, tendo como objetivo antecipar movimentos que possam acontecer no futuro, o tal “mercado” – que passarei a chamar aqui de investidores, por acreditar que faz muito mais sentido – toma decisões no presente, afetando o movimento de ativos financeiros.

Por exemplo, se um gestor de um fundo de investimento global entende que a China irá crescer em 2023, puxando para cima o preço das commodities, e entende que empresas brasileiras serão beneficiadas, ele pode procurar por oportunidades de investimento em exportadores de commodities brasileiros.

Se mais de um gestor também pensa assim, vemos um movimento – um sinal sobre o que alguns investidores pensam sobre o futuro. Com mais dinheiro entrando no país, mais valorizada nossa moeda (se investidores se sentirem seguros e não optarem por precificar o risco em uma moeda mais desvalorizada).

Da mesma maneira, se diversos investidores entendem que o governo está gastando muito mais do que arrecada, e a dívida pública crescerá muito, o que tende a acontecer? A dívida tende a ficar ainda mais cara, pois o risco de se emprestar ao Brasil (no caso, ao governo brasileiro) aumentou.

Com a dívida soberana mais cara, dívidas de empresas brasileiras também são obrigadas a pagar mais a investidores (afinal, elas não podem emitir moedas). Assim, pessoas comuns que compram títulos do Tesouro Direto ou debêntures de empresas ganham mais dinheiro em seus investimentos. Por outro lado, famílias com dívidas sofrem mais, pois os juros são pressionados pela inflação esperada lá no futuro (pois o governo está gastando mais), ao mesmo tempo em que empresas pagam mais para se financiar – crescendo menos, e empregando menos.

Mercado: sempre certo?

Em suma: movimentos que vemos diariamente no dólar, na bolsa, nos juros, e no nosso dinheiro (a não ser que ele esteja embaixo do seu colchão) não são orquestrados por um grupo único, por uma criatura secreta chamada mercado. E sim, refletem a tomada de decisões de uma série de profissionais que representam uma outra gama de pessoas, e devem ser observados como sinalizações sobre o futuro.

Isso quer dizer que investidores estão sempre certos? Muito pelo contrário. Por diversas vezes na história, a posição de importantes grupos de pessoas esteve errada sobre o que aconteceria no futuro. Crises financeiras, preços saindo do controle e até acidentes climáticos (por falta de investimentos adequados) são exemplos disso.

Nesse cenário, movimentos como o crescimento da pauta ESG (que levam em conta critérios ambientais, sociais e de governança) na análise de investimentos nos últimos anos nos mostram como ainda temos muito a evoluir para equilibrar a equação “risco versus retorno” na alocação de capital no mundo, pensando no longo prazo.

E é por isso que nem só de acertos vive o tal mercado, e nem só de sucessos vivem os investidores. Dito isso, uma coisa é certa: até que entendamos que estamos todos no mesmo barco, a recorrência dos fracassos só tende a ser maior.

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