Poderia ser Hemingway: “quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade.”
Também poderia ser Metallica: “Olhe para o céu logo antes de você morrer; é a última vez que você o fará.”
Mas é só Raul Seixas: "É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro; evita o aperto de mão de um possível aliado; convence as paredes do quarto e dorme tranquilo; sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo.”
Este é meu primeiro Day One do segundo semestre e, mesmo que eu acerte ou erre (não importa tanto para esta mensagem) cada uma das palavras aqui escritas pelos próximos seis meses, no final, haverá um grande responsável pela sua carteira: você mesmo.
Talvez a hecatombe da primeira metade de 2021 nos investimentos tenha lhe imposto medo ou te paralisado. Seria até compreensível. O principal índice de ações dos EUA teve seu pior desempenho semestral desde 1970, ao cair 21%. Se somarmos aí uma inflação de cerca de 10%, estamos falando de uma perda real superior a 30%. Se você é um brasileiro que, acertada e racionalmente, quis diversificar seus investimentos e comprou bolsa norte-americana para fugir dos riscos domésticos, a coisa foi ainda pior, porque o hedge clássico não funcionou: o dólar caiu contra o real no ano.
A Bolsa brasileira também não foi bem. O Ibovespa caiu 6% no primeiro semestre, mas essa é uma referência ruim, porque bancos e commodities representam quase dois terços do índice. Como esses nichos foram bem, puxaram a média ponderada para cima. O resto foi uma chacina. O SMAL11 (BVMF:SMAL11), cuja composição tem menor influência das instituições financeiras e das produtoras de matérias-primas, se desvaloriza 16% no ano, enquanto grandes fundos de ações, mesmo as maiores referências na indústria, observam suas cotas caindo em torno de 20%, influenciadas pelo mau desempenho do “fator quality”, tipicamente de grande peso em suas carteiras.
Se você tentou se esconder nas criptomoedas atraído pelo suposto “ouro digital”, encontrou o ouro de tolo. Destruição geral. E, na renda fixa, com a exceção dos pós-fixados, a impiedosa marcação a mercado deixou suas cicatrizes profundas.
Como no original de “Por quem os sinos dobram”, com as alusões críticas de Hemingway à violência dos dois lados da guerra civil espanhola, estivemos também entre as trincheiras da preocupação com inflação global e recessão. E se entre os Republicanos daquela Guerra Civil encontrávamos excesso de burocratização e extensos privilégios para certos amigos do rei, aqui também observamos as mazelas de uma política fiscal típica de momentos eleitorais (ou eleitoreiros).
Diante das perdas e do desânimo generalizado, a tendência seria desistir, parar de abrir o app da corretora, delegar tudo para o gerente ou agente autônomo. Não há porque tergiversar ou terceirizar responsabilidades. Na metáfora de Phil Knight para as longas maratonas, “quando a dor chegar, apenas não pare. Continue correndo.”
Há algo particularmente interessante sobre a dor e o sofrimento. Em muitas situações, o ápice do sofrimento representa a iminência da virada. Vários fenômenos sociais são assim também. Quando algo está “trendy”, ou, sei lá, muito na moda, ele está prestes a se tornar meio batido, cafona, ultrapassado. É um pouco das bolhas. No caso das crises financeiras ou dos bear markets, funciona assim também. E aqui é concretamente o caso, de maneira tangível, porque o auge da angústia representa o vale dos preços.
De maneira direta e transparente, não atribuo, dentro da distribuição de probabilidades percebida, grandes chances de que estejamos na mínima (aliás, a probabilidade de você cravar um ponto dentro de uma distribuição infinita e contínua é zero). Ao contrário, com o Fed de Atlanta agora apontando para uma contração do PIB dos EUA da ordem de 2% no segundo trimestre, parece cada vez mais distante a possibilidade de afastarmos uma recessão norte-americana.
Isso deveria exigir uma revisão dos lucros estimados e algum (pequeno) de-rating (queda dos múltiplos) para Wall Street. Ou seja, deveríamos nos preparar para um pouco mais de dor.
Contudo, talvez estejamos realmente próximos da inflexão. Petróleo, trigo, gás natural, chumbo e vários outros metais estão em suas mínimas desde março. Soja derreteu, alumínio caiu 40%, milho, cobre…
Pode haver alguma defasagem até que os preços das matérias-primas cheguem até aos IPCs, à inflação ao consumidor. Mas o fato é que enfrentamos nada muito diferente de um fim de ciclo. Para isso, precisamos ver forte desaceleração, batendo sobre a inflação, que passa a ceder e inibe aumentos muito vigorosos das taxas de juro. É o começo do fim. A dor final é sofrida, mas depois vem o alívio.
Entre um fim terrível e o terror sem fim, o primeiro cenário é certamente preferível. Se o ajuste adicional para baixo vier e representar mesmo o fim do ciclo negativo para o início de algo construtivo, todos terão a chance de agressivar os portfólios em níveis de preço extremamente atrativos, para uma multiplicação de capital vigorosa à frente. O ano de 2022 está apenas na metade.