Se as máximas do futebol valessem para o mercado financeiro, poderia se dizer que quando o presidente da República tem de vir a público para garantir a permanência de um ministro, é porque ele já caiu. Paulo Guedes ainda comanda a Economia no Brasil, mas talvez já não seja mais ministro na Austrália...Ao menos foi a esse fato que os ativos locais se anteciparam ontem.
A queda o Ibovespa para abaixo dos 100 mil pontos, o que não acontecia desde meados de julho, e o avanço do dólar para R$ 5,50, nos maiores níveis desde o fim de maio, refletiram o medo do mercado doméstico de o ministro sair de campo. Esse risco ficou mais evidente na curva de juros futuros, que “puxou no grau”, diante da maior demanda por prêmio nas taxas mais longas.
Mas a torcida pela permanência do integrante mais prestigiado no clube deve respirar aliviada hoje com o “fico” do ministro sendo comemorado como se fosse um gol em dia de decisão. Após encontro no Palácio do Planalto ontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a saída de Guedes nunca foi cogitada. “Entramos juntos no governo e vamos sair juntos”, garantiu.
A aposta é de uma solução coordenada entre a ala do governo contra o “teto dos gastos” e a equipe econômica. Para tanto, o ministro deve fazer alguns dribles e dar um jeitinho de pedalar algumas despesas para 2021. Seria uma forma de agradar os dois lados em disputa e ninguém no Congresso iria pedir VAR (o famoso árbitro de vídeo) para saber se o resultado, no fim, vai “furar” o que diz a regra em meio às demandas eleitorais.
Segue o jogo
Mas o que está em jogo não é apenas a figura de Guedes. A âncora fiscal e a agenda de reformas também são fatores importantes e, juntos, formam o tripé de apoio do mercado financeiro (e da classe empresarial) ao governo Bolsonaro. O risco de perder essas três escoras de uma só vez deu início a um ajuste nos preços dos ativos, mostrando que o nível de equilíbrio da Bolsa, do câmbio e da Selic seriam outros.
A sensação entre os investidores é de que a polarização política, que ficou tão marcada no Brasil desde as eleições de 2018, agora ganha contornos de uma polarização econômica, com o limite ao aumento das despesas públicas colocando Guedes e Bolsonaro em times adversários. A queixa pública do ministro sobre a “debandada” na equipe abriu espaço para sua “fritura” dentro do governo e soou como um aviso prévio ao patrão.
E mesmo se Guedes fosse substituído por Roberto Campos Neto, do Banco Central, o clima seguiria hostil. Mas essa alternativa parece sem sentido, aos olhos do mercado, pois há dúvidas se o presidente do BC estaria disposto em “manchar” o nome do avô. Afinal, quem aceitar assumir o cargo poderá executar as reformas (tributária, administrativa) e manter a austeridade fiscal, ou seria uma pasta à la o Ministério da Saúde?
A ver, então, o que trará a proposta do Orçamento do ano que vem, a ser entregue ao Legislativo até o dia 31. Até lá, a agenda econômica vazia, que traz hoje apenas prévias de índices de preços, pela manhã, continua sendo uma “oficina de volatilidade” nos negócios locais, com a cena política ganhando o palco principal das atenções dos investidores e sendo o fator de grande visibilidade e maior imprevisibilidade do momento.
Futebol Americano
O cenário internacional também já se mostra mais sensível à corrida presidencial nos Estados Unidos e tende a contribuir para o vaivém do mercado doméstico. Antes favorito, o agora azarão Donald Trump tenta se manter no páreo contra o rival democrata Joe Biden e deve elevar a retórica anti-China, já que o impacto da crise do coronavírus sobre a economia norte-americana ainda não garante nenhum trunfo na campanha pela reeleição.
A abertura da Convenção do Partido Democrata ontem, que irá confirmar a candidatura Biden e sua vice, Kamala Harris, não poupou críticas a Trump, alertando para o cenário de caos e o risco à democracia se a Casa Branca não estiver sob nova direção em janeiro. Figura importantes do partido, como a ex-primeira-dama Michelle Obama e o principal adversário de Biden nas prévias, Bernie Sanders, deram o tom do evento.
Com o cenário político mais exacerbado, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram na linha d’água, à espera de dados do setor imobiliário nos EUA (9h30) e digerindo novos golpes de Trump contra empresas chinesas. O alvo da vez foi novamente a Huawei, dias depois de uma ordem executiva que força a ByteDance a vender ou cindir os negócios do app TikTok nos EUA em 90 dias.
A disputa afetou o pregão na Ásia, onde Xangai e Hong Kong tiveram leves altas, e tira o brilho na abertura da sessão na Europa. Ao mesmo tempo, os investidores ensaiam uma fuga para ativos seguros, o que coloca o ouro novamente acima da marca de US$ 2 mil por onça-troy. Mas a queda do dólar em relação às moedas rivais favorece o petróleo e o minério de ferro, que está nas máximas desde 2014.