A sexta-feira que antecede a pausa prolongada pelo carnaval pede cautela. Apesar da folia ter sido cancelada por todo o país por causa da pandemia, o mercado financeiro doméstico permanecerá fechado até o início da tarde da próxima quarta-feira, seguindo o calendário bancário, mas Brasília promete não parar e dedicar esses dias para criar o “samba do corona voucher", definindo como será o auxílio emergencial neste ano.
O presidente Jair Bolsonaro antecipou ontem algumas características da nova rodada do benefício social, que deve começar a ser pago a partir de março e por um período de até quatro meses, no valor de R$ 250. O ministro Paulo Guedes (Economia) já disse, no início do mês, que a ideia é atender à metade dos 64 milhões de beneficiários que receberam ajuda no ano passado. E ele ainda briga por mais três parcelas de R$ 200.
Portanto, os próximos dias prometem uma queda-de-braço entre a equipe econômica, de um lado, e o Congresso, do outro, com o Palácio do Planalto no meio, tentando encontrar um ponto de equilíbrio entre os aliados do Centrão e a “lista de desejos” de Guedes. Bolsonaro alertou para o endividamento do país, dizendo que o auxílio emergencial “não pode ser eterno”, mas ele vai depender da boa vontade do bloco de partidos.
Mas o protagonismo dos presidentes nas duas Casas Legislativas tende a prevalecer, com o respaldo do governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem cobrado do ministro da Economia que apresente uma “alternativa viável” para a concessão do benefício, urgindo que Guedes encontre uma “solução imediata”. Assim como o deputado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também defende a extensão do auxílio emergencial.
Jogo Duro
E o Centrão pode fazer a equipe econômica “ter que engolir” uma ajuda aos mais vulneráveis de, no mínimo, R$ 300. Nesse jogo de toma lá, dá cá entre os dois Poderes, a preocupação dos investidores é como o auxílio será viabilizado. A possibilidade de não estar atrelado a medidas restritivas, com alguma contrapartida fiscal, preocupa os investidores, que já vislumbram riscos fiscais no horizonte, com o benefício “furando” o “teto dos gastos”.
Assim, os próximos dias serão de jogo duro entre governo e Congresso. O afago do Centrão com a aprovação da autonomia do Banco Central pode até criar a ilusão de que a agenda de reformas irá, enfim, sair do meio campo. Mas a chance de o Centrão colocar bola na rede e abrir uma goleada, arrombando as contas públicas do país, eleva a desconfiança do mercado em relação ao regime fiscal.
Essa incerteza dificulta a tentativa de recuperação dos ativos domésticos, ainda mais depois que os dados de atividade mostraram que a economia virou o ano em ritmo mais lento, com o fim do auxílio, o alto desemprego e a piora da disseminação do coronavírus na reta final de 2020 prejudicando o processo de retomada econômica. Tal cenário desafia as apostas em relação à condução da taxa básica de juros pelo Banco Central.
O mercado financeiro está dividido entre quem acha que a situação fiscal do país vai piorar e quem acha que Bolsonaro, Guedes e o Centrão vão chegar a um consenso. Essa divisão embaralha as expectativas sobre a Selic, com a curva a termo de juros futuros calibrando as expectativas por um aperto já em março ou apenas em maio. Nessa disputa, o dólar não consegue se afastar da faixa de R$ 5,40 nem o Ibovespa se firmar nos 120 mil pontos.
Lá pode
Enquanto isso, no exterior, a Casa Branca sabe que é preciso estimular a demanda para colocar a economia norte-americana de volta aos trilhos, uma vez que a situação no mercado de trabalho ainda está longe de recuperar os níveis pré-pandemia. Os sinais de diminuição do contágio do coronavírus pelo mundo mantêm a expectativa de retomada econômica neste ano, com o pacote fiscal do governo Biden dando um “empurrãozinho” para aumento nos gastos dos consumidores.
Porém, tal cenário já está amplamente embutido nos preços dos ativos de risco, o que reduz o fôlego para novas altas em Wall Street, que segue sendo negociado em níveis recordes. Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no vermelho, apontando para uma ligeira realização de lucros antes do fim de semana. O feriado do Ano Novo Lunar na maioria dos mercados na Ásia enxuga parte da liquidez dos negócios.
Com isso, as praças europeias replicam o sinal negativo vindo do outro lado do Atlântico Norte. O petróleo cai pelo segundo dia seguido, afastando-se da marca de US$ 60 por barril, enquanto o dólar se fortalece, ganhando terreno em relação às moedas de países desenvolvidos e correlacionadas às commodities. Entre os bônus, o rendimento (yield) do título norte-americano de 10 anos (T-note) gira em torno de 1,15%.
Mais Atividade
Na agenda econômica do dia, novos indicadores domésticos de preços e sobre a atividade serão conhecidos hoje. Às 8h, sai o primeiro IGP de fevereiro, o IGP-10. Na sequência, às 9h, é a vez do IBC-Br de dezembro e no acumulado de 2020. Apesar dos dados fracos do varejo e do setor de serviços, a expectativa é de alta mensal de 0,4%, sustentado pela indústria, cravando o oitavo mês seguido de resultado positivo.
Na comparação com dezembro de 2019, a previsão é de aumento ainda maior, de 1%. Já no exterior, destaque apenas para a prévia do índice de confiança do consumidor norte-americano (12h).