O comentário desta semana pode parecer bastante semelhante ao que publicamos na semana anterior, mas dado o desenvolvimento no campo político, é impossível não considerarmos novamente os desdobramentos que a perspectiva de aumento de gastos para 2023 têm sobre os mercados, as expectativas e a economia real.
O vice-presidente eleito apresentou, na última quarta-feira, a minuta do texto da PEC de Transição (que recebeu alguns apelidos bem menos amistosos na mídia nestes dias). O texto prevê a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos de forma definitiva e implica praticamente em gastos adicionais da ordem de R$ 200 bilhões para 2023.
Uma primeira questão evidente é que o governo eleito cobra uma licença indefinida para gastar com este movimento de retirada dos gastos relacionados ao Auxílio Brasil do teto. Aliado à falta de indicação sobre a futura equipe econômica, torna-se impossível compreender como o gasto adicional será equacionado de forma a não se transformar em descontrole fiscal.
Um outro problema fundamental com a PEC relaciona-se ao fator cronológico. A retirada de rubricas do teto implica, necessariamente, em um movimento adicional que antecipa seu descarte. No entanto, não há indicação sobre o início das discussões em torno do arcabouço fiscal que substituirá o teto.
Consequentemente, é difícil de imaginar um cenário em que o avanço da PEC não teste de forma concreta a credibilidade fiscal do governo eleito. A expansão fiscal na ordem prometida pela PEC (próxima a 2% do PIB) levará invariavelmente a um déficit primário já no primeiro ano de governo. Por sua vez, isso contribuirá imediatamente para o aumento do estoque da dívida pública. Teremos, concomitantemente, um avanço maior da inflação decorrente tanto da deterioração das expectativas como do aumento das transferências do governo em um ambiente de hiato do produto fechado.
A resolução desta questão para o Banco Central implicará necessariamente um aperto adicional da política monetária, seja na forma de mais aumentos da taxa Selic, seja por meio da manutenção desta no patamar atual por um longo período. Se o Copom optará por um ou por outro dependerá, em última instância, do grau de deterioração das expectativas de inflação.
Todos esses fatores elevarão de forma considerável o nosso endividamento em relação ao PIB, provocando consequentemente um descolamento adicional dos prêmios de risco do Brasil e reduzindo o produto potencial. Ou seja, tudo mais constante, o aumento de gastos implementado de forma insustentável deve implicar em uma taxa de juros que, necessariamente, estará mais elevada de forma consistente. Consequentemente, o equilíbrio macroeconômico torna-se de menos crescimento.
Obviamente, estamos nos primeiros movimentos de negociação da PEC e diversos canais de notícia já indicam que a proposta terá de ser modulada para gerar consenso dentro do legislativo. No entanto, os riscos em torno do processo fazem o mercado automaticamente reprecificar os ativos, o que por sua vez gera a grande volatilidade das últimas semanas.