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Manchas de Óleo na Fé e as Máculas da Fé no Óleo

Publicado 10.09.2014, 16:44
Atualizado 09.07.2023, 07:31
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Para uma nação que não tenha sólidas instituições democráticas, seu petróleo pode se tornar uma maldição política, social e cultural.

Agosto nos chocou com a morte do fotógrafo James Foley no Oriente Médio. É difícil imaginar que seres humanos sejam capazes de tamanha barbárie! No entanto, essa não foi a primeira baixa brutal desses conflitos e, provavelmente, não será a última. Sua covarde execução lembra aquela do jornalista Daniel Pearl, também decapitado e filmado por terroristas no Paquistão, em 2002.

É ainda mais triste que essas vítimas fossem apenas reféns indefesos do ódio. Não se tratavam de políticos inescrupulosos, líderes oportunistas, nem participantes de combate armado. Eram pessoas munidas só de compromisso ético. Incomuns apenas na coragem e na determinação de denunciar a violência política e, em certos casos, paradoxalmente "religiosa".

O mapa abaixo, da organização Reporters Sans Frontièressediada na França (Repórteres Sem Fronteiras), mostra o mundo em termos de liberdade de atuação dos jornalistas.

Liberdade Jornalística no Mundo

Não surpreende que os países onde o jornalismo encontra suas maiores barreiras, sejam aqueles com flagrantes problemas de ordem democrática. Mas é importante observarmos que várias dessas economias se baseiam fortemente na exploração de recursos geológicos não renováveis. Principalmente petróleo e gás para exportação.

De algumas décadas para cá, à medida que o petróleo trouxe maior poder econômico para as lideranças dessas nações, seu efeito sobre a liberdade individual e democrática, bem como sobre a tolerância cultural, foi calamitoso! Essa problemática nem sequer se resume à esfera de qualquer origem étnica ou cultura religiosa. A relação inversamente proporcional do valor do petróleo com a liberdade e o desenvolvimento da cultura democrática pode ser testemunhada até aqui na América Latina. Nossa vizinha Venezuela, com cerca de 6% das reservas mundiais de petróleo, mesmo não sendo uma nação muçulmana, em vez de avançar e desenvolver-se com a valorização de seus recursos naturais exportados, tornou-se um patético exemplo de autoritarismo populista e decadência institucional e social.

reservas Comprovadas de Petróleo

Com base em dados do Banco Mundial, referentes ainda a 1995, a Venezuela já ocupava a 14ª posição entre as 25 nações mais dependentes da exportação de petróleo. Nossa outra vizinha, a Colômbia detinha a 25ª colocação nesse mesmo ranking (fonte). Os dois países são justamente os de pior liberdade de imprensa na América do Sul.

O problema é de natureza muito mais econômica e política, do que cultural ou ancestral. Por isso, devemos reavaliar quaisquer estereótipos de ordem étnica e religiosa.

Quanto à história dos árabes, é bom lembrarmos que tinham uma cultura bastante rica no passado. Contribuíram para o avanço da matemática e da astronomia, introduziram o astrolábio na Europa e impulsionaram assim as grandes navegações e os descobrimentos da América e do Brasil por espanhóis e portugueses. Não é mera coincidência que os grandes navegadores de outrora saíssem justamente da península ibérica, onde a presença e a influência árabe foram marcantes. A Ibéria Islâmica (al-Andalusno árabe, dando origem ao nome da Andaluzia) abrigava a vanguarda cultural e científica da Europa. No século XV, a Escola de Sagres em Portugal viria a ser para a exploração marítima, aquilo que a NASA representou para a exploração espacial quinhentos anos depois. Também foi graças aos árabes, colecionando e traduzindo livros de diferentes culturas e locais por onde passavam, que muitos livros e textos antigos (incluindo filosofia grega) não se perderam para sempre, condenados e destruídos pela Igreja Católica.

Não nos esqueçamos dos abusos de intolerância violenta na história da Europa. A Inquisição foi sua própria versão de terrorismo religioso e cultural. As impressionantes pinturas de Hieronymus Bosch nos dão uma ideia do temor e da angústia com os quais a igreja se impunha. Católicos reprimiam a liberdade de expressão, bem como um maior desenvolvimento intelectual e científico na Europa. Acusavam, condenavam, destruíam e queimavam não apenas acervos de livros e trabalhos, mas também uma impressionante quantidade de pessoas que consideravam ameaças à fé e ao poder da igreja. Muitas vezes, nem por ideologia alguma, mas sim pelo interesse financeiro e material, já que a igreja se apoderava dos bens daqueles que queimava na fogueira por qualquer acusação estapafúrdia.

Terrorismo Religioso e Cultural

Um enorme contraste com as relações culturais que haviam se desenvolvido anteriormente na península Ibérica.

A era de ouro da cultura judaica na Espanha teria se iniciado justamente com a conquista pelos muçulmanos de parte da península Ibérica no século VIII. A expansão do Califado Omíada formou então o Emirado de Córdoba que se estenderia até o século XI. A tolerância, a convivência pacífica e a colaboração entre muçulmanos, judeus e cristãos constituíram a mais marcante característica daquele período. O número de judeus não só aumentava na região, como também sua importância política, intelectual e econômica. Os judeus prosperaram econômica e politicamente, assim como nas ciências, no comércio e na indústria. Tudo com o aval e a colaboração da liderança muçulmana da época. A sinagoga de Toledo, templo de judeus, apresentava trechos do Corão (ou Alcorão - livro da fé muçulmana) escritos em árabe na decoração, além de motivos e desenhos de artistas muçulmanos. Havia ali um respeito mútuo na fé e na cultura.

Em "Aventuras na História", Jerônimo Teixeira explica que "O Corão traz disposições bastante generosas sobre os demais 'Povos do Livro', isto é, as duas outras religiões monoteístas fundadas em obras literárias - o judaísmo com sua Torá e o cristianismo com seu Evangelho. Deus, por meio de seu profeta Maomé, decretou respeito à liberdade religiosa de judeus e cristãos que vivem em território islâmico. Já ao tempo em que governavam na Síria, os Umayyads revelaram-se muito liberais na aplicação desses ditames sagrados. Especialmente para os judeus, que viviam em semiescravidão sob o governo cristão dos visigodos, o domínio muçulmano inaugurou uma era de liberdade inaudita. A comunidade judaica cresceu e prosperou em al-Andalus. Seu prestígio pode ser aferido pelo fato de Abd al-Rahman III, que governou entre 912 e 961, ter nomeado um judeu como seu vizir (algo como um primeiro-ministro)."

O Califado Omíada (ou Umayyad) teria se iniciado com Mu'awiyya ibn Abi Sufyan, ao fim da Primeira Guerra Civil Muçulmana no ano 661, vinte e nove anos depois da morte do profeta Maomé. No seu auge, esse califado se tornaria o maior império do mundo até então, estendendo-se por 15.000.000 km2e incorporando ao domínio muçulmano desde parte da Índia, até o Marrocos (norte da África), toda a Península Arábica, o Cáucaso (região entre o Mar Negro e o Mar Cáspio - atual Armênia, Azerbaijão, parte da Geórgia e sudeste da Rússia), a Transoxânia (partes do Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão, Quirguistão, e Cazaquistão), a maior parte da Península Ibérica (Portugal e quase toda a Espanha) e parte do sul da França. Esse ainda é considerado o quinto maior império já registrado na história do mundo.

Impérios

O site da Biblioteca Virtual Judaica cita que, já no início, o califa Omíada Mu'awiyya "também incorporou plenamente a virtuosa clemência árabe, ou indulgência, e generosamente perdoou até mesmo alguns de seus piores inimigos. Foi essa clemência que lhe permitiu estabelecer a nova estrutura administrativa que os Omíadas começavam a construir." Em Damasco, na Síria, o califa teria nomeado um grande número de administradores bizantinos cristãos como seus colaboradores e conselheiros.

Mas, de alguma forma, as relações culturais pacíficas se deterioraram. A perspectiva histórica aqui só serve para mostrar que a fé muçulmana, em sua forma intrínseca, não teria nada a ver com a violenta intolerância atual que vem pregando o terror. Mas a fé, seja qual for, onde for e quando for, é repetidamente cobiçada, usurpada, reeditada e lamentavelmente utilizada como subterfúgio para promover o poder e a megalomania de interesses flagrantemente oportunistas e NADA espirituais. Foi assim com diversas crenças pagãs e segue assim com diferentes religiões monoteístas.

Dizem alguns textos que, dois mil anos atrás, os judeus saduceus e fariseus (influentes na fé judaica) teriam convenientemente se feito cúmplices dos romanos na crucificação de Jesus de Nazaré. Ameaçados pela crescente popularidade e o distanciamento que as palavras de Jesus representavam dos textos e tradições já estabelecidas.

Há apenas algumas décadas, cristãos radicais no sul dos EUA, onde a Igreja Batista predomina, se organizavam sob os capuzes da Ku Klux Klan para pregar a segregação, o ódio e o terror aos negros, judeus e católicos. Com radical intolerância, aterrorizavam, linchavam e enforcavam suas próprias minorias étnicas. Ateavam fogo a suas casas, cientes da presença de crianças e idosos.

Cristãos Radicais

Na década de 1970, já dispensado o manto da KKK, mais uma vez grupos radicais que se consideravam defensores da fé cristã protestante iniciaram uma cruzada de terror. Desta vez contra o aborto legalizado pelo governo norte-americano. Mataram e ameaçaram funcionários e médicos, além de incendiarem e explodirem algumas clínicas licenciadas para essa prática. Muitas vezes, a manifestação violenta e terrorista desses cristãos radicais ocorria contra os próprios lares e famílias de profissionais e pacientes.

Em termos históricos, a intolerância cultural e terrorista não pode ser isolada sob qualquer denominação específica de religião e fé.

Uma complicação inerente da fé é que, por definição, ela não se permite ser questionada pelo uso da razão e da argumentação intelectual. Se a fé não pode ser questionada, não há melhor aliada para qualquer oportunista, ou grupos de interesse, com sede de poder político, econômico ou social! Tendo a fé como aliada ao seu dispor, o próprio poder se torna inquestionável. Impondo-se como um poder sagrado. Daí a importância e a necessidade de o estado se manter laico. Nos EUA, a igreja protestante se esforçou para fazer das orações uma rotina nas escolas públicas. Graças ao direito constitucional, isso (ainda) não aconteceu.

Não faço aqui uma apologia ou crítica a qualquer fé. O assunto é complexo. Frequentemente é emocional ou pessoal demais para qualquer abordagem. Mas me parece fundamental que todas as crenças religiosas e manifestações (coletivas ou individuais) de espiritualidade devam se basear justamente na tolerância entre as diferenças humanas e no respeito mútuo.

Dito isso, passemos para a questão econômica e política.

Quando as lideranças nacionais se veem abastadas graças aos recursos naturais da geologia local e não aos recursos humanos da nação, deixam de depender do seu povo e de impostos para se financiarem. Se essa isenção de impostos pode nos parecer uma maravilha à primeira vista, trata-se na verdade de uma maldição. Um tumor que cresce à medida que o estado negligencia a importância da educação, da capacitação profissional do seu povo e da diversificação econômica e tecnológica da nação. Quanto menos a população contribui com impostos, menos o estado lhe dá o direito de opinar ou cobrar qualquer coisa. A transparência administrativa perde espaço.

Petróleo

Com o ouro negro brotando da terra e seu elevado valor de exportação, o estado não depende financeiramente do seu povo. Não sendo fonte de renda para o governo, o povo passa a ser visto mais como um empecilho! E quanto menos culta a população, menores serão seus questionamentos e sua oposição. Em vez de promover educação de qualidade, o governo tende sim a priorizar uma polícia repressora, que defenda e sirva aos seus próprios interesses de manutenção do poder econômico e político.

Parte do dinheiro do petróleo passa a ser empregado como subsídios, comprando apoio e cumplicidade de grupos da população. Além de atrasar a educação, o estado corrompe e mina o empreendedorismo, amolecendo-o com subsídios. Seus efeitos cumulativos são bastante nocivos ao longo do tempo.

Manchas de óleo na fé:

O apoio financeiro a grupos religiosos também é uma forma bastante eficiente do estado se consolidar no poder. A fé, quando não diversificada e não acompanhada pelo desenvolvimento cultural e institucional da nação, pode ser perigosamente retrógrada. Uma vez manipulada para a promoção de interesses mal intencionados, seu paradoxal potencial destrutivo se manifesta.

A ascensão econômica desses governos, graças ao aumento do preço do petróleo, vem se traduzindo na decadência institucional, cultural, social e até mesmo espiritual dessas nações.

Os gráficos abaixo mostram como o petróleo acaba sendo utilizado no mundo e nos Estados Unidos:

Consumo de Petróleo

Podemos ver que seu uso é predominantemente para o transporte. Segundo pude apurar, com dados referentes ao ano 2005, a maior parte do petróleo consumido nos EUA foi para o refino de gasolina (43,4%) abastecendo automóveis e aeronaves com motor de pistão. Outros 9,2% foram convertidos em querosene de aviação, para turbinas e jatos. Mais 23,5% foram transformados em óleo diesel, para transporte pesado e ferroviário, equipamento agrícola, geração de energia elétrica e óleo de aquecimento residencial. E 3,8% acabaram como combustíveis pesados, sendo uma parte usada também no transporte naval. (fonte: alternativeenergy.procon.org).

Os dados referentes aos EUA são de particular interesse, posto que com larga folga, o país é o maior consumidor de petróleo do mundo. Na média per capita, o consumo norte-americano equivale a 8,5 vezes o chinês.

Ranking de países com maior consumo de petróleo por dia

Veja o restante da análise no arquivo abaixo.

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