Ao que tudo indica as luzes de casas e palácios em Brasília estão ficando acessas durante a noite. Membros do Executivo dizem estar perdendo o sono, o presidente carrega o fardo da queda de popularidade e o Congresso pode ter que ver cortadas as emendas parlamentares. Até o STF perde o sono com a liminar concedida por Nunes Marques para cultos religiosos, contrariando decisão anterior dada aos governadores e prefeitos na administração da pandemia. Desde a semana passada as olheiras devem ter crescido bastante.
A semana passada foi muito tensa com a substituição de seis ministros pelo presidente, dando mais poderes ao general titular da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos e a troca dos militares das três forças armadas. Além disso, todas as discussões sobre pedaladas no orçamento de 2021, já entrando no quarto mês do ano, e ainda sem definições. Enquanto isso, o quadro fiscal vai se deteriorando e a pandemia, apesar da vacina melhor engrenada, não dá trégua nos recordes de infecção e óbitos.
Na semana passada o ministro Paulo Guedes e sua equipe declararam que o orçamento na modelagem votada era inexequível. O relator do orçamento até propôs mais para o final da semana cortar emendas parlamentares no montante de R$ 10 bilhões, mas foi tida como insuficiente. Pelos cálculos feitos, seriam necessários recursos da ordem de R$ 32 bilhões para deixar o governo mais tranquilo. O ministro Paulo Guedes sugeriu vetos no orçamento da ordem de R$ 37 bilhões, mas o cacife político de Bolsonaro com o Congresso ficaria complicado, e indispondo o dito Centrão. Tanto isso é verdade que, segundo o noticiário de final de semana, o ministro Paulo Guedes teria ficado novamente na linha de tiro dos parlamentares insatisfeitos.
Aparentemente, no final de semana a turma de bombeiros entrou em campo para apagar desavenças entre Arthur Lira e Paulo Guedes e ampliando um pouco os cortes de emendas e colocando em plano mais aceitável algumas despesas subestimadas como a do INSS. Mas certamente isso ainda terá desdobramentos nessa semana.
Outro que disse estar perdendo o sono foi o presidente do Bacen Roberto Campos Neto que saiu em socorro dizendo que a incerteza sobre o orçamento está agravando o quadro fiscal, e como acessórios a inflação e juros em alta. Outro que parece estar perdendo o sono, mas eu se expresso de forma dura ao longo da semana foi o secretário do Tesouro Bruno Funchal. Tanto ele quanto Roberto Campos Neto têm mesmo que ficar assim. A dívida bruta atingiu 90% do PIB e, olhando os próximos 12 meses a partir de fevereiro, o volume de rolagem de posições chega a R$ 2,38 trilhões, cerca de 37,5% do total, com o agravante de encurtamento de prazos e taxa de rolagens cada vez mais elevadas, na medida em que o lado político complicado e a pandemia estão mais fortes.
Podemos acrescentar a isso as saídas de recursos pelo canal financeiro que até 26/04 estavam em UIS$ 5,1 bilhões e a sistemática queda das reservas cambiais líquidas, nessa mesma data em US$ 271,6 bilhões. Tudo isso e outros dados de conjuntura concorrente para o diagnóstico de que o prêmio de risco de investir no Brasil ficou mais alto perante outros emergentes e taxa de juros nos EUA subindo.
Perdem o sono também os presidentes das duas casas do Congresso que buscaram conciliação no início de seus mandatos, mas que agora sofrem pressões de seus pares por cargos e verbas, numa eleição que foi antecipada desde que os processos de Lula em Curitiba foram anulados. Alertamos que com esse ambiente político se perpetuando, o clima para andamento de reformas se tornou insípido e se algo conseguir sair, muito provavelmente será pouco eficaz para reposicionar o Brasil nos trilhos.
Caímos inevitavelmente naquela situação quase surreal, onde o melhor caminho e quase impossível seria um pacto de governabilidade entre os três poderes deixando de focar individualmente nos “umbigos”, para focar no que realmente interessa, que seria a recondução do país para uma trajetória de ajustes e reformas e menos corrupção.
Mas, tudo isso, parece pouco provável com a animosidade atual. Seria preciso muito desprendimento, mas isso não parece factível com a vibe atual. Vamos ter que nos contentar com o possível, e não com o requerido para um país saudável no futuro.