A libra esterlina está derretendo novamente, depois que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, revelou que pretende garantir a saída do seu país da União Europeia dentro do prazo de 31 de outubro. A notícia derrubou os rendimentos dos títulos do Reino Unido, que atingiram as mínimas históricas.
Johnson solicitou formalmente à Rainha, na quarta-feira, que abrisse uma nova sessão parlamentar em 14 de outubro. Como o parlamento fica tradicionalmente suspenso – ou, em linguagem constitucional, "prorrogado" – no período anterior a uma nova sessão, a iniciativa impede que congressistas tenham tempo e oportunidade de bloquear seus planos, seja legislando por conta própria ou aprovando uma moção de desconfiança capaz de derrubar seu governo por completo.
O movimento frustra as tentativas da oposição e inclusive de parlamentares do próprio Partido Conservador de Johnson de evitar um Brexit sem acordo, o que, segundo eles, provocaria graves danos à economia britânica. Dessa forma, uma saída sem acordo é cada vez mais provável.
A libra esterlina perdeu quase um centavo frente ao euro, sendo negociada a 1,1004 às 7 AM ET, e se desvalorizou na mesma proporção frente ao dólar, cotada a US$ 1,2203. Os investidores buscaram segurança nos títulos governamentais, fazendo com que os papéis do Reino Unido com vencimento em 10 anos caíssem cerca de quatro pontos-base, para 0,46%, apenas seis pontos-base acima da mínima histórica atingida no mês anterior.
“A suspensão do parlamento elevaria o risco de um Hard Brexit e intensificaria a crise constitucional no Reino Unido”, declarou Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em uma nota aos clientes.
Muitos analistas acreditam que a libra esterlina esteja sendo negociada em níveis historicamente baratos e que o risco de uma queda ainda maior é limitado, em razão do tempo que os mercados tiveram para ajustar suas expectativas desde que Johnson assumiu o poder. Mesmo assim, o risco de desapontamento continua alto: o último governo britânico conduzido por Theresa May argumentava que o país sairia perdendo em todos os cenários do Brexit, sendo o pior deles uma saída desordenada.
Analistas do Morgan Stanley (NYSE:MS) defenderam que a libra poderia cair até a paridade com o dólar na ausência de um acordo. Na sexta-feira, analistas dos JP Morgan, liderados por Meera Chandan, recomendaram que os investidores continuassem se protegendo contra os riscos de um Hard Brexit por meio de opções de venda.
O movimento de Johnson significa que o parlamento, que retorna na próxima semana, terá apenas cerca de três semanas até a data prevista para o Brexit. A ação de ontem praticamente impossibilita o debate ou a aprovação de qualquer lei relacionada ao Brexit antes do prazo final de 31 de outubro.
Aqueles que se opõem a uma saída sem acordo concordaram em realizar uma reunião informal na terça-feira, a fim de bloquear esse resultado com uma nova lei. A alternativa de tentar formar um “governo de união nacional” caiu por terra com a recusa dos Democratas Liberais centristas e dos Conservadores rebeldes de apoiar a nomeação do trabalhista Jeremy Corbyn, líder da esquerda oposicionista, como primeiro-ministro interino.
A libra esterlina atingiu seu patamar mais baixo em mais de 30 anos frente ao dólar, à medida que a política de Johnson de forçar um Brexit a todo custo se torna cada vez mais real. Embora as pesquisas de opinião sugiram que nunca houve maioria a favor da saída sem acordo, seja no parlamento ou na população, e que o único mandato de Johnson seja respaldado por uma pequena parcela do eleitorado (especificamente, membros do Partido Conservador), os opositores da saída sem acordo falharam até agora em encontrar qualquer meio prático para interromper o primeiro-ministro, em razão das suas próprias divisões internas.
Apesar de os eventos de terça-feira, para reunir a oposição, terem provocado o repique da libra para US$ 1,2309, a moeda britânica rapidamente sucumbiu – como costuma acontecer – com a notícia de que Johnson estaria pelo menos um passo à frente dos seus opositores.
John Bercow, presidente da Câmara dos Comuns e responsável por definir a ordem do dia, chamou o movimento de “escândalo constitucional”.
“Apesar do disfarce, está flagrantemente óbvio que o propósito da prorrogação é impedir que o parlamento debata o Brexit e cumpra com seu dever de ditar os rumos do país”, declarou o presidente em um pronunciamento.
Enquanto isso, o economista Holger Schmieding, do banco Berenberg, alertou que nada está garantido na iniciativa de Johnson.
“O fato de o primeiro-ministro precisar suspender seu próprio parlamento por aparentemente não ter maioria a favor da sua política para o Brexit não é exatamente um sinal de força, para dizer o mínimo”, complementou.