Liberal na economia, conservador nos costumes.
Uma grande asneira, repetida com orgulho por antiliberais, mas que apreciam a eficiência da economia de mercado.
Eles desconsideram que liberdade é como gravidez, não tem meia. É da essência do pensamento liberal limitar o direito alheio apenas se estiver interferindo com seu próprio direito. Proibido matar, por exemplo. Mas é inconcebível para um liberal se achar no direito de se intrometer nas escolhas de terceiros quanto a hábitos sexuais, formas de vestir, uso do corpo, profissão de fé, opções políticas ou maneira de se expressar. Não se pode pedir para proibir o fumar (seja de cigarro ou maconha), mas pode-se exigir que não se fume em ambiente fechado, para me defender de ser um fumante passivo.
É evidente que a democracia é o pilar principal do pensamento liberal. Independência dos Poderes, eleições periódicas, transparência no trato da coisa pública formam o arcabouço da liberdade de escolha. O voto deve ser sagrado, mas não obrigatório, pois direito se respeita, não se impõe. E não é sadio usar o instrumento do impeachment como se o mandatário fosse técnico de futebol: se a torcida está descontente, rua! Ao contrário, a menos que esteja ameaçada a sobrevivência democrática, o penar sob o comando de idiota eleito(a) em votação emocional é parte do processo de aprendizado da sociedade, para que na próxima eleição haja melhor critério na escolha.
No plano econômico, o liberal defende com veemência as virtudes da economia de mercado, quando comparada aos sistemas centralizados de decisão. Quem estuda o funcionamento dos mercados, não pode deixar de se deslumbrar com esta magia: decisões individuais, sem a mínima preocupação com o coletivo, levam a um equilíbrio eficiente, em que os recursos são mobilizados e alocados da melhor maneira possível.
Entretanto, os mesmos manuais de Economia que demonstram a eficiência da solução de mercado deixam claro que se a distribuição de renda na sociedade for injusta, provavelmente o funcionamento do mercado vai agravá-la, em vez de amenizá-la. Consequentemente, instrumentalizar a política econômica para mitigar a concentração de renda é algo compatível com o liberalismo. Haja vista que o imposto de renda Robin Hood (ou imposto de renda negativo ou de renda mínima), onde os mais ricos pagam sobre seus rendimentos um imposto progressivo que será transferido aos mais pobres, é cria, há mais de meio século, de Milton Friedman, o papa do liberalismo. E não do petista Suplicy.
E já que estamos quebrando tabus, defender o estado minimalista não é lutar por estado fraco. O que sim se exige é ter somente o setor privado pilotando atividades econômicas. A bandeira é transferir todas as empresas estatais para o setor privado, de maneira ética e transparente. Mais: terceirizar toda a prestação de serviços, da gestão da infraestrutura, passando por administração de hospitais e postos de saúde (nada a ver com privatização do SUS, por natureza “imprivatizavel”) e chegando até à operação de parques públicos.
Mas deste dogma privatista, não se deduza que o liberalismo exige um estado fraco: pelo contrário, ao retirar do governo federal as tarefas operacionais, abrimos espaço para seu fortalecimento com provedor das condições de crescimento saudável a longo prazo, concentrando-o nas 3 áreas de sua exclusiva alçada:
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Prover o pano de fundo institucional para a operação dos mercados: aqui entra um Judiciário moderno e veloz; Forças Armadas equipadas para garantir que piratas e traficantes não tornem inseguras as atividades de produção e consumo; polícia ética, bem equipada e integrada nacionalmente;
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Coibir abusos econômicos: monopólios, cartéis, artimanhas no mercado de ações, conglomeração, sonegação, gestão financeira temerária são fantasmas que assombram o funcionamento dos mercados no mundo todo. Para exorcizá-los, é preciso que sejam muito fortes instituições como CADE, CVM, Receita Federal, Banco Central, e agências reguladoras;
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Pensar o Brasil estrategicamente: operar universidades é algo que governos estaduais e instituições privadas fazem tão bem ou melhor do que o federal. Mas entender os avanços da Educação no mundo e preparar o país para internalizá-los é tarefa intelectualmente desafiadora e que deve ser confiada a núcleos pensantes governamentais de elite; entender os avanços tecnológicos, acompanhar como está ocorrendo a transformação de Ciência em Tecnologia, eis o segmento nobre do Ensino e Aprendizado que o governo federal deveria focar. Similarmente, quanto à evolução mundial no uso de fontes de energia, da otimização e integração dos modos de transporte, além da coordenação de programas de vacinação.
Em suma, um governo federal que provê estabilidade e segurança para as decisões econômicas, impeça que o poder econômico do mais forte penalize os pequenos e foque na identificação dos avanços do conhecimento no Mundo, difusão este conhecimento e indução da internalização destes novos saberes.
Ser um governo que pense longe e grande, em vez de fazer mal, o trivial.