Uma das principais questões para qualquer instituição se consolidar de maneira antifrágil é sua legitimidade. Legitimidade, de maneira simplificada para o problema das moedas, é dada pelo quanto as pessoas não acreditam que seu uso é imoral e por sua facilidade de uso. No caso da imoralidade, há uma impressão de eventualmente associarem as criptomoedas a crimes virtuais, hacks e lavagem de dinheiro. Não posso confirmar isso mais do que com anedotas, mas não me surpreenderia se numa pesquisa de opinião mostrassem que o cidadão comum tem o medo de, caso um possuam Bitcoins, tenham medo de serem roubados. Desta maneira, a legitimidade do Bitcoin está comprometida por um problema do tipo.
Essa questão é particularmente sensível para o Brasil. Vivemos num país onde procuradores e juizes especializados num crime de altíssima complexidade e uso de tecnologia, a lavagem de dinheiro advindo de corrupção, falham em usar um two-step authentication ou de se proteger minimamente de vazamentos. O nosso cuidado com a segurança é altamente deficiente e eu me incluo nesta lista de pecadores digitais. O Bitcoin é baseado num núcleo seguro, mas as pontas sofrem de problemas causados por usuários que, naturalmente, não são especialistas em segurança.
Quando ainda havia grandes debates sobre o Ethereum ser uma criptomoeda, havia duas posturas majoritárias sobre o que determinaria o preço da tecnologia. Uma afirmava que os DApps valeriam mais que a própria rede Ethereum (Fat Apps), outra afirmava que a plataforma reteria parte significativa do que os aplicativos geram (Fat Platforms). Uma terceira, corria por fora e dizia que ganharia recursos empresas que conseguissem transformar a plataforma em algo útil, com produtos relativamente centralizados e seguros (Fat Wallets). Acredito que, se o Ethereum for realmente útil um dia como se propõe, muito será por companhias que garantam a segurança posto que há uma dificuldade grande em se adequar a propostas ousadas como a de DApps.
No fundo, a proposta de “seja você o próprio banco” que muitos proponentes do Bitcoin defendiam é muito complicada e arriscada para a maioria das pessoas. A criptomoeda do Facebook Libra tem maiores chances de sucesso porque uma companhia com grande base de clientes e diversos usos provavelmente tem custos menores de criar uma interface mais fácil do que uma tecnologia independente que tem que convencer pessoas a terem diversas preocupações que, numa primeira olhada, parecem difíceis de resolver. Isso pode trazer benefícios para as criptomoedas depois com a Libra servindo como um tutorial para as criptomoedas reais, mas também poderá servir como exemplo de como fazer uma interação simples com o usuário comum e receoso com novas tecnologias.
A legitimidade que a Libra traz para as criptomoedas é muito menos pelo reconhecimento das grandes empresas, e sim do que virá em relação ao público não-qualificado se esse empreendimento der certo. O uso da tecnologia é consequência dessa legitimidade e é isso que fará a diferença. Por enquanto, as empresas que mais têm potencial para se beneficiar das criptomoedas são as que em tese competiriam diretamente: a MoneyGram fez uma parceria com a Ripple. Para isso se reverter e criptoativos saírem da prisão da aposta Fat Wallets é importante legitimidade e aprender com o que a Libra fará. Acompanhar esse aprendizado pode ser fundamental para as criptomoedas.