Quem diria que John Maynard Keynes, um dos principais economistas britânicos do século 20 seria revisitado em seu livro “Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda” em uma nova roupagem contemporânea em diversos países.
Lá, um pouco depois da crise de 1929, Keynes cunhou o que seria conhecido como armadilha de liquidez, que pressupõe juros muito baixos, recessão ou baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Mais recentemente, no Japão, esse fenômeno pode ser observado, e ainda mais recente na zona do euro e também possivelmente nos EUA. Isso tudo ficou ainda mais flagrante quando temos diante do mundo as mudanças que foram produzidas em diferentes países a partir da crise em consequência do Covid-19.
Se pararmos para pensar nisso, a visão de Keynes parece bem adequada para muitos países, incluindo aí a liderança americana. O crescimento de 2020 foi abortado, as taxas de juros caíram muito e estão próximas de zero, o FED compra títulos (inclusive do segmento privado), a liquidez se amplia drasticamente e as decisões de política monetária acabam perdendo muita eficiência. Nesse momento, temos assistido declarações de dirigentes regionais do FED se posicionando, como, por exemplo James Bullard do FED de St. Louis, dizendo que as ações de apoio têm funcionado muito bem e que os mercados buscam equilíbrio.
A tal armadilha de liquidez vale para os EUA, e casa muito bem com outros países e regiões. No Japão, a taxa de depósito negativa em 0,10% e juros dos JGBs oscilando próximo de zero, com o país em baixo crescimento e ainda assim a população consumindo pouco. Esse modelo de “japanização” pode ser replicado para a zona do euro e em alguns países escandinavos, talvez com menor intensidade e clareza. Mas, de qualquer forma, estão nessa mesma direção.
Querem estender isso para o Brasil? Então Ok!
A taxa Selic veio sem escala desde os 14,5% até os 3% da última reunião do Copom, com sinalização de que pode registrar nova queda na reunião de junho, segundo a ata, não superior à queda recente de 0,75%. O crescimento de 2020 já comprometido com encolhimento do PIB de até 7% como previu o JP Morgan, ou como mostra a última pesquisa Focus em -4,11% (e em evolução para pior). O Bacen querendo autorização para compra títulos privados e comprar títulos diretamente do Tesouro, o que indica monetização da economia ao injetar moeda no sistema.
Enquanto isso, os investidores tradicionais de renda fixa se mostram insatisfeitos com as taxas praticadas e tentam buscar alternativas mais atraentes e de certa forma sustentam o mercado acionário, mesmo com a fuga dos investimentos estrangeiros do país. Só para dar uma ideia, nesses poucos meses do ano, os estrangeiros já retiraram liquidamente da Bovespa (até 8/5) R$ 72,9 bilhões, que se somam aos saques de 2019 de R$ 44,5 bilhões, que ao câmbio atual de R$ 5,74 daria uma saída liquida de cerca de US$ 21 bilhões.
Temos que considerar ainda que, mesmo com as taxas de mais longo prazo ainda atraentes internamente para a renda fixa, ainda assim em abril as aplicações em renda fixa e em fundos caíram, contra, pasmem, captação positiva na poupança em março e abril que levaram o ano para saldo positivo de 26,7 bilhões mostrando a ineficiência na alocação de recursos, a aversão ao risco e preferência pela liquidez.
Possivelmente o Bacen reduzirá ainda mais os juros (há quem já fale em Selic próxima de zero), mas os efeitos serão cada vez mais reduzidos. No meio do caminho, o Bacen estuda operações Twist comprando títulos longos e vendendo títulos curtos e, com isso, reduzindo a inclinação da curva de longo prazo que encarece o crédito. Melhor mesmo seria que o Bacen comprasse títulos privados, o que daria boa injeção ao crédito. Porém, para que tal ocorra está sendo exigido como contrapartida absoluta transparência (disclosure) do que será feito.
Como se vê, Keynes está mais vivo do que nunca, e pode ser que nossos parlamentares queiram a partir daí, tal qual Keynes, sugerir que sejam abertos buracos durante o dia e fechados por outros trabalhadores durante a noite.
Alvaro Bandeira
Sócio e Economista-chefe do banco digital modalmais