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Investimentos: Cuidado com o Jogo de Ilusões

Publicado 19.08.2022, 09:52
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Em 1593, o botânico francês Carolus Clusius trouxe de Constantinopla alguns bulbos de tulipas para Amsterdam e começou a plantá-las. A alta sociedade holandesa se encantou e começaram a procurar tulipas para decorar as suas casas.

A demanda foi tão grande que, ao longo de 50 anos, os mais ricos da Holanda (na época Países Baixos) se encantaram com as tulipas e esse artigo foi considerado bem de luxo. Nesse tempo, a loucura foi grande, foram criados contratos futuros e essas flores foram negociadas na bolsa de valores de Amsterdam.

Investidores trocaram os seus imóveis por plantações de tulipas, trocaram as reservas em ouro e prata por essas plantações. Em um único mês, esse vegetal chegou a se valorizar 2.000%, assim foi criada uma bolha especulativa sem precedentes.

Em 1636 essa bolha estourou, alguns investidores não honraram os contratos de compra e o pânico se espalhou. O governo da Holanda tentou intervir, mas o estrago já tinha sido feito. Muitos investidores foram à ruína e perderam tudo. 

No fim dos anos 1990, algo parecido aconteceu nos EUA. Nesse tempo, tínhamos a febre das empresas da internet, ou a mania das “dot.com”.

Muitas empresas sem faturamento ou com valuation absurdos abriram o seu capital (IPO) na Nasdaq (Bolsa de tecnologia americana). Em poucos dias, essas empresas valiam 2x ou 3x mais que o preço de seu IPO.

O fim foi bem parecido com a bolha das tulipas, o mercado reconheceu que essas empresas sem faturamento, ou em estágio inicial, não deviam valer os preços da época. Algumas empresas em poucos anos desapareceram ou viram as suas ações perderem mais de 90% do seu valor. O estrago foi imenso entre os investidores iniciantes. 

A história nos apresenta vários casos como esses dois acima, seja na mega valorização das ações nos anos 1920, ou quem sabe, no mercado imobiliário americano no começo dos anos 2000. Todas essas passagens têm um aspecto em comum: os investidores se afastaram da realidade e fizeram investimentos esperando retornos inalcançáveis. Parece que o mercado financeiro tem uma capacidade de deixar as pessoas extasiadas e esquecer tudo que aprenderam com matemática elementar. Podíamos dizer que não eram investidores e sim, especuladores. 

Ken Fisher, megainvestidor e filho do lendário investidor Philip Fisher, escreveu vários livros, em um deles, “The Only Three Questions That Still Count: Investing by Knowing What Others Don't”. Ele defende que, para se investir bem, você deveria ter racionalidade simples.

Um dos múltiplos de avaliação de empresas mais usado no mercado é o índice Preço/Lucro. Nele conseguimos mensurar em quantos anos retornamos o investimento. Se temos uma ação valendo R$ 10 e um lucro de R$ 1, em 10 anos temos o retorno do nosso investimento, dado que o lucro seja o mesmo. Ele defende que esse múltiplo deveria ser olhado invertido, que ficaria mais simples de entender, sendo lucro dividido pelo preço. Dessa forma, teríamos a rentabilidade do investimento atual, uma espécie de taxa interna de retorno. Assim, se tenho R$ 1 de lucro para um investimento de R$ 10, teríamos uma taxa de retorno de 10% ao ano.

O mercado financeiro tem uma mística e faz as pessoas esquecerem um pouco dessa lógica. Em todas essas grandes crises passadas, com essa matemática básica, o pequeno investidor conseguiria evitar grandes perdas. Mesmo aqui no Brasil recente, poderíamos evitar problemas dessa magnitude.

Ano passado várias empresas da internet, saúde verticalizada e do varejo digital foram precificadas com valores que não faziam o menor sentido, as pessoas compravam porque esses papéis subiam e queriam pegar carona nessa festa. A farra especulativa. 

Para se ter uma ideia, Magazine Luiza (BVMF:MGLU3), uma das maiores varejistas do Brasil, chegou a ser negociada a R$ 200 Bilhões na B3 (BVMF:B3SA3) e no seu melhor ano ela lucrou apenas R$ 597 milhões. Dessa forma, usando essa métrica sugerida pelo Fisher, um investimento de R$ 200 bilhões retornaria em lucro apenas R$ 597 milhões, performando apenas 0,30% ao ano de rentabilidade.

Teríamos que ter uma verdadeira explosão dos lucros, ainda mais, em um mercado ultra concorrido como o varejo. Para se justificar esse investimento, Magalu teria que lucrar algo como R$ 30 bilhões em poucos anos, assim geraria 15% de retorno no médio prazo. 

A bolsa tem e tinha vários casos como esses acima, a própria Hapvida (BVMF:HAPV3), plano de saúde verticalizada, chegou a ser negociada a R$ 140 bilhões na B3 e com o seu melhor ano de lucros em 2018, com R$ 852 milhões, uma taxa de retorno de 0,60%. Dificilmente em um mercado competitivo de planos de saúde iríamos ver essa empresa ter um aumento no lucro que justificasse essa valuation. De 2021 para cá vimos várias dessas empresas, com valuation explosivos, perderem mais de 70% de seu valor e gerou perdas enormes para investidores. 

Do lado oposto, com a queda da bolsa, tivemos vários negócios com múltiplos Lucro/preço acima de 15% de retorno ao ano. Em negócios perenes, com crescimento e boa gestão.

Não estou dando indicação de compra, apenas tentando trazer a lógica inversa para esse artigo. O Banco do Brasil (BVMF:BBAS3) chegou a ter um valuation de R$ 94 bilhões na B3, com lucro em 2021 de quase R$ 21 bilhões, pagando 40% de dividendos e com todas as grandes linhas crescendo. Usando esse simples indicador, teríamos um investimento com rentabilidade de 22,58% ao ano e ainda o investidor receberia 40% disso em dividendos. Várias empresas dos setores elétrico, bancário e industrial geram oportunidade com retornos nessa magnitude. Geralmente são empresas esquecidas, sem graça e chatas à luz do investidor iniciante. 

O mercado financeiro provoca esse afastamento da realidade e seduz com esse jogo de ilusões. Quem mais perde são os que acreditam em sonhos distantes e sem fundamento matemático. Poucos pensam na bolsa como investimento e sonham com a grande tacada especulativa da bolsa. O sonho da riqueza fácil e rápida nos deu mais uma lição. Warren Buffett, Charlie Munger, Luiz Barsi e tantos outros estão como exemplos do real caminho do sucesso no mercado acionário. Esse caminho requer longo prazo, disciplina e principalmente, razoabilidade.

ENTREVISTA-Barsi mira empresas com projetos novos e descarta aquelas que remuneram acionistas com "esmolas"

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