Recentemente li o livro “The Bitcoin Standard” de Saifedean Ammous e, apesar de ter achado o livro algo inocente no que tange economia e maximalista demais para um livro que se propõe discutir teoria monetária por uma perspectiva da escola austríaca de economia, há um ponto muito importante do livro que passa por secundário numa primeira lida. O autor, Saifedean Ammous, relaciona o fim do padrão ouro com a concentração bancária e sua estrutura física. Tendo uma localização geograficamente determinada, governos podem exercer pressão em bancos, regulando e exercendo formas diversas de política monetária. Ammous considera isso um problema do padrão ouro e sugere que o Bitcoin resolve a questão.
Entretanto isso também é uma falha considerável em qualquer criptomoeda sob mineração com placas ASIC. Há, atualmente, grandes núcleos de mineração geograficamente concentrados em locais de baixo custo de energia elétrica. Inclusive, de acordo com o levantamento de pesquisadores de importantes universidades americanas a maioria, inclusive, se encontra na China, país que já proibiu criptomoedas. Não há grandes diferenças quanto ao problema proposto por Ammous, com a diferença que, agora, dependemos de uma nação estrangeira única. Num paradigma de descentralização defendido por cypherpunks, o atual cenário é longe do ideal.
Não é de surpreender que a criptomoeda mais vocal -- e que mais age -- contra criptomoedas seja a privacy coin Monero. Quando se propõe um padrão novo, como o Bitcoin, costuma-se criar junto problemas novos. Um atual problema do Bitcoin é sua falta de real anonimidade, por exemplo; no Bitcoin há pseudônimos e a blockchain é transparente como um livro contábil. Em outras palavras, é possível saber todas as transações de uma conta. O Monero procura resolver isso garantindo fungibilidade ao dinheiro, aproximando-o ainda mais do dinheiro físico.
Obviamente isso não é algo desejável para muitas pessoas. Lembram do Geddel Vieira Lima, ministro do último governo, que tinha 51 milhões de reais em um apartamento em dinheiro vivo? Dinheiro vivo é melhor por ser irrastreável. Quando entra no sistema bancário, como os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro, há imediatamente suspeitas, apesar da comodidade de não ser mais físico. O Monero garante a irrastreabilidade e a comodidade de transferências rápidas entre pontos diferentes. Evidentemente organizações anti-corrupção, anti-lavagem de dinheiro e anti-financiamento de terrorismo e tráfico de drogas serão ameaçadas por essa tecnologia. O governo, portanto, teria incentivos para combater essa privacy coin. O Japão, por exemplo, já propôs medidas contrárias às privacy coins no ano passado. Evidentemente, corrupção e sonegação são ruins, mas há soluções melhores que simplesmente retirar incentivos para privacidade financeira, algo tão importante na vida de todos nós que nos interessamos por transferências bancárias sem intermediários e a menor custo.
Dessa maneira, a fungibilidade de uma criptomoeda não depende apenas de sua tecnologia e irreversibilidade de blockchain. Ela depende, também, de ser difícil destruir a rede ou impor custos à validação de novas transações. Não é uma “escolha” do Monero ser ASIC-resistant, é fundamentalmente uma questão de sobrevivência de seu projeto a longo prazo. Houve um hard fork há dois dias na rede da Monero que derrubou a hash rate em 70%. Houve também, um aumento na concentração do mercado posto que ainda não há muitos nodes usando a nova tecnologia de mineração. O jogo de ser ASIC-resistant não é fácil e envolve esses problemas de curto prazo, porém é fundamental para a Monero. No atual momento, não acredito que possa haver ASIC-resistant de maneira frutífera, mas reconheço que a estratégia do time de desenvolvedores da Monero é a melhor possível e -- agora falando como entusiasta de tecnologia mais do que investidor -- espero que consigam uma solução, posto que é impossível garantir privacidade e descentralização real sem essa inovação.