A gigante Bitmain, principal fabricante de placas ASIC -- as usadas para minerar Bitcoin, Litecoin e parte considerável das maiores criptomoedas baseadas em Proof-of-Work (PoW) -- anunciou que irá abrir o capital na Bolsa de Hong Kong. Apesar de parecer algo distante, a mineração de criptomoedas reflete algumas características interessantes e contraintuitivas do mercado como um todo. A abertura de capital, portanto, pode representar um bom sinal -- como sugerido pelos fortes retornos do Bitcoin Cash, moeda relacionada a mineradores -- e merece uma cuidadosa análise.
O primeiro aspecto a ser reparado é que a Bitmain controla grandes fazendas de mineração e, em especial, dois pools de mineradores: (BTC.com e Antpool), os dois maiores do mundo em relação de poder computacional para Bitcoin, controlando cerca de 37.1% do hashpower da rede. A BTC.com opera apenas Bitcoin e Bitcoin Cash que usam a mesma função Hash SHA256, porém a Antpool minera dez tipos de criptomoedas. A Bitmain geralmente coleta cerca de 5% do total de recursos gerados a partir de suas operações de mineração na Antpool. Com suas fazendas na China -- atualmente se expandindo para os EUA -- e pools de mineração sendo impressionantes, o que mais choca é que as receitas relativas a essas operações não passam de 3.3% nos primeiros seis meses de 2018 e 7.9% em 2017.
Pode-se perceber que a gigante chinesa possui um resultado impressionante em outras atividades. Em 2018, 94.3% de seus retornos vieram da venda de placas. Vale notar que essas placas ASIC não são apenas as usadas para minerar, a Bitmain têm diversificado seus negócios e criado placas utilizadas em aplicações de inteligência artificial. Como as placas são altamente específicas, não há como as desenvolvidas para uma aplicação serem utilizadas em outras; o grande grau de especificidade das ASIC provê uma proteção às redes de criptoativos. Por exemplo, os pools da Bitmain mineram grande parte do Bitcoin e Bitcoin Cash, entretanto a empresa (ou seus clientes) não atacaria via 51% ou outras formas porque isso geraria uma grande perda de valor sem ter como liquidar esses ativos. A segurança da rede, portanto, parece confiável.
O desenvolvimento dessa tecnologia não é trivial. A Bitmain encara desafios para modernizar suas placas ASIC atualmente; vale notar que a última, as atualizações de suas placas têm demorado a sair. Para resolver esse problema, a empresa revelou contar com 840 engenheiros e cerca de 2500 funcionários. Fica claro que o exército de engenheiros da companhia é, possivelmente, forte o bastante para evitar que qualquer criptomoeda significante não consiga ser ASIC-resistant. A Monero, por exemplo, recentemente passou pelo dilema de ou aceitar a inevitável concentração de mercado causada por placas ASIC da Bitmain ou mudar sua função hash. De maneira geral, frente à capacidade de inovação da Bitmain, creio que essas tentativas são infrutíferas. Essa seria uma segunda lição dos dados do IPO.
O ponto final da análise é que, mesmo com esse ano sendo ruim para o mercado de criptoativos, o hashpower das moedas não caiu de maneira significante: Bitcoin e Zcash aumentaram. De maneira análoga, as vendas da Bitmain se mantiveram. Isso significa que ainda há expectativa forte de valorização por players com recursos, apesar do desânimo de investidores voltados para o curto prazo. Ainda não vi nenhuma teoria explicativa adequada para esse fenômeno, porém uma projeção é certa: investimento em ASICs não é baixo como os números da Bitmain mostram e não é fácil. A abertura de capital pode tanto representar a tentativa de uma empresa mais informada captar o máximo de recursos enquanto há tempo para conseguir diversificar em AI e áreas similares quanto uma empresa se financiando por acreditar -- assim como os mineradores -- no futuro da criptoeconomia. Ainda não sei no que acreditar, porém com o IPO da Bitmain, teremos mais informações sobre seus planos e, assim, entender qual cenário estamos. Vale a pena acompanhar principalmente por esse sentido.