Quando pensamos em investimento em bolsa, naturalmente variação do Ibovespa vem à nossa mente. A relação é direta, pois é assim que nos acostumamos a acompanhar o movimento das ações. O monitoramento através de um índice é uma maneira eficiente para termos uma visão mais generalista da coisa.
Qual o problema disso?
Efetivamente não há nada de errado. A questão é que ao acompanhar o fluxo de notícias podemos ter uma visão distorcida sobre o comportamento geral do mercado ou mesmo da economia. Não faltam notícias ruínas, mas o Ibovespa acumula queda próxima de 4% no ano e está somente 9% abaixo da sua máxima histórica.
Neste momento, estamos enfrentando o momento mais grave da pandemia no Brasil, as dúvidas em relação à situação fiscal do país estão ainda mais acentuadas, uma Selic começou a subir em função da elevação da inflação, como projeções para o PIB estão cada vez menores. Então onde está a mágica?
Um dos argumentos que podemos utilizar está ligado às expectativas. Se por um lado seguimos com o terrível dado de aumento de mortes e contaminações em função do Covid-19, por outro vemos uma aceleração do processo de vacinação no país. Com a população vacinada, a tendência é que os movimentos de fechamento das cidades não ocorram mais. Com a economia voltando a funcionar normalmente, as mudanças para o PIB podem melhorar.
Em relação à Selic, não podemos esquecer que o juro a 2% ao ano não era uma situação normal. Houve uma aceleração da queda com o intuito de ajudar a combater os efeitos da pandemia sobre a economia. O gráfico abaixo mostra que há uma relação importante entre o juro básico da economia e o desempenho do Ibovespa.
Por outro lado, não podemos esquecer que com a Selic em 6,5% já temos um excelente desempenho das ações. Dessa forma, se o nosso juro se mantém em patamares razoáveis, nossas ações não devem sofrer impactos relevantes
Na minha visão, e de outros profissionais, uma alta da Selic para patamares de 2 anos atrás não afetaria a dinâmica de longo prazo da bolsa.
No final do ano, havia uma dúvida bem grande sobre o andamento do PEC Emergencial. De modo surpreendente, ela foi aprovada com menos desidratação do que o imaginado poucos meses antes.
Resumindo, da mesma forma que vimos notícias ruins, há uma percepção de que nem tudo está perdido.
Por outro lado, voltando à uma outra justificativa para o atual patamar do Ibovespa, a explicação pode estar no próprio índice. A sua composição visa demonstrar um desempenho médio do mercado. Para isso, são basicamente utilizados os critérios de negociação e presença em pregões. Dessa forma, o que temos é uma representação das ações que mais negociam, e não necessariamente da economia brasileira.
Esse ponto é extremamente importante para visualizarmos que o principal índice da bolsa brasileira não irá necessariamente refletir o desempenho econômico do país. A demonstração do Ibovespa de desempenho de algumas empresas brasileiras, que possuem dinâmicas próprias e podem estar muito mais conectadas ao mundo do que ao Brasil.
Com isso não quero fazer o desempenho da economia possui nenhuma atração sobre o Ibovespa. O desenvolvimento do nosso país naturalmente impacta as nossas empresas. Uma economia saudável é praticamente um direcionamento para um mercado de ações forte.O ponto é que o momento da economia impacta cada setor de maneira diferente e em prazos distintos.
O gráfico abaixo mostra o desempenho de cada setor, conforme classificação da própria bolsa, no ano.
Apesar do Ibovespa estar com 4% de queda no ano, vemos o quanto alguns segmentos específicos geram grande influência sobre ele. O setor de materiais básicos, com 7 das 77 empresas (são 82 ações, considerando ON e PN e holdings, como Itaúsa (SA:ITSA4), Metalúrgica Gerdau (SA:GOAU4) e Bradespar (SA:BRAP4)) do índice, tem um impacto positivo de 2,6 pontos percentuais sobre a sua variação no ano . Se, por exemplo, essas empresas estivessem estáveis em 2021, estaríamos vendo uma queda próxima de 7% no Ibovespa no período.
São considerados materiais básicos siderurgia, mineração, petroquímico, papel e celulose. Praticamente todas as empresas possuem uma dinâmica muito ligada ao crescimento mundial e à variação cambial. O dólar nos atuais patamares afeta positivamente quase todo o setor. Desses 2,6 pontos percentuais (pp) de efeito positivo, Vale (SA:VALE3) responde por metade e se colocarmos Suzano (SA:SUZB3) no pacote, temos praticamente 2 pp Assim, de 82 ações do índice, 2 trazem um efeito de +2 pp no ano. É muita coisa.
Por outro lado, vemos Petróleo, gás e biocombustíveis, consumo cíclico e financeiro, gerando um impacto negativo de 5,6 pontos percentuais no ano. São 33 empresas, ou 36 ações (conforme explicado anteriormente), fazendo esse estrago.
Nesses segmentos conseguimos observar uma dinâmica maior ligada ao mercado interno. Os 3 grandes grupos estão incluídos nas petrolíferas, distribuidoras de distribuidores, varejistas, incorporadoras, locadoras de veículos, faculdades, shoppings, seguradoras e bancos. Fica clara a relação imediata dessas empresas com o mercado interno.
No ano, o impacto delas é inegável para o mau desempenho do índice. No entanto, não podemos desconsiderar que uma recente aceleração do processo de vacinação, aliada a uma reabertura gradual das nossas cidades, pode gerar um efeito positivo sobre essas empresas.
A perspectiva de melhora da economia, pode afetar as expectativas sobre esses segmentos, levando a uma nova precificação das suas ações. O que naturalmente auxiliar no desempenho do Ibovespa. Coloquei tudo no condicional intencionalmente, pois estamos falando de hipóteses.
O gráfico abaixo mostra os 5 maiores impactos, tanto no lado positivo como no negativo, sobre o comportamento do índice. Os dados expostos não são das variações percentuais de cada ação, mas sim do impacto em pontos percentuais sobre o Ibovespa.
As 5 maiores altas ajudaram em 2,9 pp, enquanto as 5 maiores quedas responderam por -4,9 pp. Se Banco do Brasil (SA:BBAS3), Magazine Luiza (SA:MGLU3), B3 (SA:B3SA3), Itaú (SA:ITUB4) e Itaúsa e Petrobras (SA:PETR4) (ON e PN) voltarem aos seus patamares do início do ano, o Ibovespa passa a apresentar alta. Pode parecer repetitivo, mas o que quero mostrar é o quanto a concentração do índice pode nos gerar percepções diferentes sobre o mercado.
Então estou dizendo que não devemos acompanhar o Ibovespa? Não, de forma alguma. Ele é importante e sempre será uma referência relevante. O que eu quero dizer é que o investimento em ações é muito mais do que essas 77 empresas.
Existem ótimas alternativas dentro desse grupo, tanto nas que estão subindo como naquelas que ainda caem, mas existe um outro tanto que merece ser acompanhado.
Saber o porquê de termos feito investimento determinado, seja em ações direto ou mesmo em fundos, entendre a estratégia, a dinâmica da empresa e do setor, quais os fatores que podem levar a sua valorização ou desvalorização, é sempre um bom caminho para não sermos tão afetados pelos ruídos diários do mercado.
Para quem é do comércio, siga o seu setup. Para quem investe focando no longo prazo, siga o seu método. Não é um movimento do Ibovespa que deve fazer você modificar isso.
Até a próxima.