No último artigo, discutimos as transformações trazidas pela Resolução CVM 175, novo marco regulatório que visa promover maior transparência e acessibilidade para os investidores em geral. Apesar dos avanços significativos (dignos de elogio), o desafio persiste: como tornar as informações mais acessíveis e compreensíveis para os investidores comuns? Como garantir que os investidores comuns entendam melhor os riscos que determinados produtos de investimento apresentam?
Neste artigo, o desafio é propor algumas soluções para este dilema, com o objetivo de dar início a um debate construtivo sobre como a indústria de investimentos pode evoluir na construção de mecanismos de proteção dos investidores comuns. Inicialmente, apresento a vocês quatro sugestões.
1. Educação financeira: Eu sei. Você deve pensar que já existem milhares de conteúdos disponíveis na internet, e que falar em “educação financeira” nesse contexto é algo quase banal. No entanto, a ideia preliminar é a indicação de cursos didáticos e gratuitos no “Guia de Compreensão do Investidor” (GCI - explicarei adiante) com o intuito de encorajar os investidores a compreender os fundamentos daquele determinado produto. Exemplo prático: no caso de um FIDC, incluir o link do curso gratuito da Anbima que aborda o conceito do produto, autorregulação, estruturação e distribuição. A Anbima ainda fornece um material de estudo complementar. Além disso, temos os cursos da CVM, da B3 (BVMF:B3SA3), e diversas outras instituições que poderiam contribuir de forma gratuita com vídeos e materiais já existentes.
Uma vez que a educação financeira adequada está disponível de forma gratuita, o próximo passo é tornar as informações ainda mais acessíveis simplificando a linguagem usada para explicar os produtos financeiros.
2. Simplificação dos termos técnicos: É fundamental que os termos técnicos sejam simplificados para tornar as informações mais claras, acessíveis e compreensíveis para o público geral. A sugestão é promover uma tradução dos termos técnicos no GCI com o objetivo de que a utilização de uma linguagem mais cotidiana contribua para o melhor entendimento dos produtos.
Exemplo prático: O termo “Debênture” poderia vir acompanhado de uma explicação simples – “um tipo de empréstimo que você faz a uma empresa em troca de receber juros depois de um certo tempo." “Benchmark”, também a título de exemplo, é um termo que pode facilmente ser simplificado para "medida que usamos para comparar o desempenho de um investimento, como se fosse a 'nota de corte' para saber se o investimento está indo bem ou não."
3. A criação de um documento simplificado e conciso que acompanhe o regulamento: a ideia é que esse documento receba o nome de "Guia de Compreensão do Investidor" (GCI). Seria um documento (no máximo cinco páginas) com o objetivo de explicar os principais pontos do regulamento de forma clara, objetiva e acessível. Abaixo, apresento um esboço dos primeiros pensamentos a respeito de como seria o GCI:
-
Quais são os objetivos do fundo? Utilizando uma linguagem clara e objetiva, evitando ou contornando o uso de termos técnicos complexos.
-
Qual a estratégia de investimento? Descrevendo a estratégia de investimento adotada pelo fundo com exemplos e também utilizando uma linguagem clara e acessível para explicar como os recursos são aplicados.
-
Quais ativos o fundo pode comprar? Destacando os tipos de ativos que o fundo pode comprar com exemplos compreensíveis, e informando o risco de cada um desses ativos e em qual quantidade.
-
Quais são os riscos envolvidos no fundo? Apontando os tipos de risco que o fundo pode correr, utilizando exemplos compreensíveis e ilustrações.
-
Quais são os custos e as taxas do fundo? Fornecendo informações claras sobre os custos e taxas do fundo, em linguagem clara e acessível. Por exemplo: “Como o administrador ganha dinheiro?”.
Podemos aprimorar o GCI com a inclusão de tecnologia e exemplos práticos. Um glossário interativo para traduzir termos técnicos instantaneamente, e recursos multimídia podem melhorar a explicação a respeito dos riscos e custos. O uso de exemplos concretos, em vez de apenas fornecer definições abstratas, também permite que os investidores compreendam como os aspectos teóricos se aplicam na prática e visualizem os possíveis resultados.
Por exemplo, em um fundo que pode investir em dívidas de empresas, é importante destacar que, havendo inadimplência, os cotistas do fundo podem sofrer prejuízos significativos. Como discutido no artigo anterior, usando o caso das Americanas (BVMF:AMER3), exemplos práticos podem ser mais úteis do que definições abstratas. Além disso, o aspecto visual do GCI é de suma importância - infográficos e gráficos tornam as informações mais fáceis de entender.
4. Ferramentas de avaliação de risco: Desenvolver e disponibilizar ferramentas que permitam aos investidores comuns avaliar o nível de risco dos diferentes produtos de investimento. Por exemplo: deve ficar claro para um investidor que investir em ações da Petrobrás é mais arriscado que investir em um CDB do Banco Itaú (BVMF:ITUB4) ou BTG Pactual (BVMF:BPAC11), e que investir em um fundo de renda fixa com crédito privado (será que os investidores sabem o que é “crédito privado?”) é mais arriscado do que investir em um fundo de renda fixa com títulos públicos.
Em resumo, à medida que buscamos ampliar o acesso a uma variedade mais ampla de produtos de investimento, devemos também garantir que esses produtos sejam compreendidos pelos investidores comuns. Acredito que as propostas apresentadas - desde a introdução do Guia de Compreensão do Investidor, até a simplificação dos termos técnicos e a utilização de ferramentas de avaliação de risco - são apenas um pequeno passo na direção certa.
Impende ressaltar que essas propostas têm como objetivo principal inaugurar o debate, não havendo pretensão de esgotá-lo. Portanto, faço um apelo a você, leitor: participe. Contribua com suas ideias e sugestões. Juntos, podemos criar um ecossistema de investimentos mais transparente, compreensível e acessível para todos.