O que é o certo? Digo, mais especificamente, o que é o certo a se fazer para os nossos filhos? Seríamos capazes de sermos bons guias? No desafio narcísico tradicionalmente autoproclamado de reproduzir a si mesmo na sua prole sem os erros que nossos pais cometeram conosco, haveria alguma razoabilidade?
Eu não sei. Eu, sinceramente, não sei. Claro que os livros, os cursos de autoajuda e os influenciadores digitais estão prontos para defecar sua sapiência também sobre a paternidade e a maternidade, embora muitos deles prefiram os pets às crianças. Outros têm seus filhos em depressão, viciados em Vyvanse e Ritalina, com sérias dificuldades de convívio social, mas continuam nos iluminando com a falsa sabedoria das respostas prontas, ditadas em aforismos prontos.
Freud apontava três atividades impossíveis: governar, analisar (no sentido psicanalítico) e educar. Tudo que sabemos: vamos errar.
Mas será que haveria um meio de errar pequeno? Ou, ao menos, de não estragá-los demais?
Eu me pergunto isso com frequência. Na verdade, este é um texto bastante confessional, sobre um traço da minha personalidade: eu duvido de mim mesmo todos os dias e, em particular, com mais intensidade sobre minhas habilidades como pai. Eu estaria minimamente à altura dos meus filhos?
Meu primeiro filho não foi planejado. Insisti em chamá-lo de João para que ele soubesse que, a despeito das circunstâncias em que fora concebido, seria muito amado, tal como o apóstolo de Jesus. Soube da sua chegada pouco tempo antes do nascimento, com a gravidez já avançada. Minha situação patrimonial à época era bastante diferente. Meu pai tinha morrido e me deixado uma boa herança, em módulo — R$ 90 mil de dívidas. Minha mãe estava em depressão e seu filho único iniciava sua atividade empreendedora, com um negócio chamado “research independente”, que todos achavam que não vingaria no Brasil.
Lembro claramente. A primeira coisa que me veio à cabeça foi uma grande preocupação: eu vou conseguir pagar escola particular para o meu filho? Temi que não. A verdade é que, de fato, se as coisas não melhorassem muito, eu não conseguiria. E isso era muito caro pra mim, porque, mesmo com meu pai tendo ido à falência completa, ele deu um jeito de me oferecer uma educação de ponta. Eu sabia que, se eu tinha alguma chance na vida (àquela época era uma mera possibilidade, talvez até um evento de baixa probabilidade de ocorrência, dadas as intercorrências), isso se devia à minha boa educação. Parte formal, parte na escola da vida. Os livros de cálculo e filosofia misturados, sei lá como, com o futebol jogado na única quadra de Senhora do Porto, no mesmo time com o filho do prefeito branco e o pintor preto retinto da casa da minha tia Eunice — onde foi que perdemos a capacidade de dialogar e conviver com o diferente?
A sorte esteve conosco. Houve muito trabalho também, claro. E, de algum modo, eu pude pagar, ao menos até agora, o colégio particular para o meu filho. É um grande alívio. O que mais eu poderia fazer? Fora dos valores éticos, morais e educacionais, falando mais especificamente do tema que nos reúne aqui, o que e quanto deixar para os nossos filhos?
Warren Buffett oferece uma sabedoria interessante: deveríamos deixar o suficiente para eles fazerem alguma coisa, mas não o suficiente para eles não fazerem nada. Talvez a virtude esteja mesmo no meio. A julgar por alguns herdeiros que conheci por aí, nossa, não receber nada dá um trabalho enorme, mas receber demais pode ser uma grande tragédia. Posso te dizer: é mera observação empírica. Há boas exceções para comprovar a regra, claro. Cito três formidáveis: Fred Trajano, Ricardo Gontijo e João Vitor Menin.
É um dilema sério. Tem aquele ditado oriental meio cafona, mas pertinente: homens fortes criam tempos fáceis, tempos fáceis geram homens fracos, homens fracos criam tempos difíceis, e tempos difíceis geram homens fortes. Pode ser uma boa descrição desse pêndulo. Não queremos que nossos filhos enfrentem perrengues demais. Não há necessidade disso. Mas também não sei se é o caso de fazê-los achar que eles têm o mundo sob os braços, sem ter feito um grande esforço para conquistá-lo.
Breve reflexão pessoal de um liberal transformada em filosofia política: onde está a real meritocracia se não há igualdade de oportunidades?
A proximidade do Dia das Crianças me traz reflexões desse tipo. Não tenho, claro, resposta pronta a essas perguntas difíceis. Só os alucinados têm. “Unskilled and unaware of it.” Sou apenas mais um idiota no mundo. Mas posso dividir com vocês, sob a transparência usual, o que eu mesmo fiz para os meus filhos.
De imediato, deixo claro: acho péssima essa substituição do brinquedo por um lote de ações. A criança está esperando uma bola, um carrinho, uma boneca, o Fifa 2022 e o pai chega com uma nota de corretagem. Nada mais frustrante. Uma criança é… uma criança. Essa é a realidade. E como tal ela merece ser tratada. Acho que os pais podem (e até devem) dar algum investimento de presente para seus filhos, mas que isso venha em adição a alguma coisa que vá criar ou fortalecer um laço de carinho, afeto e amor entre eles. É disso que os filhos mais precisam. Uma bola, mesmo que seja aquela de R$ 5, de plástico, comprada na 25 de março, e um lote de BOVV11 (SA:BOVV11) — aí já pode ser mais legal.
Volto. Compartilho aqui o que eu mesmo fiz para meus dois filhos. Com preocupações de justiça e isonomia, é a mesma coisa para ambos. Talvez alguém mais dedicado a suitability possa me criticar por não ter respeitado o perfil individual de cada um, fazendo a mesma coisa para os dois. Aceito o comentário, mas foi o melhor que pude fazer.
Basicamente, comprei, para cada um, R$ 50 mil em NTN-B, R$ 50 mil na SuperPrevidência da Vitreo e R$ 50 mil no Carteira Universa Previdência, com aportes mensais adicionais de R$ 100. Assim eles terão um valor suficiente para fazerem alguma coisa aos 18 anos, mas não o suficiente para não fazerem nada. Pareceu-me razoável.
Fica o convite para que você faça algo parecido e garanta um futuro bacana para seus filhos e, na verdade, para si mesmo. Nada melhor do que vê-los bem.
Encerro com uma segunda confissão. Hoje, olhando para meus filhos saudáveis e com tanto amor, às vezes penso comigo mesmo: até que não me saí tão mal. A sensação é de um grande alívio.