Olá, Pessoal. Hoje o assunto que quero compartilhar com vocês é profundo, um tanto quanto opaco e, na verdade, busca muito mais a compreensão dos limites do nosso conhecimento do que a exposição do conhecimento em si. Como pesquisador, aprendi que não saber os limites do nosso conhecimento é perigosíssimo e pode levar a conclusões extremamente falsas, de modo que, portanto, o “saber que não sei” se torna conhecimento relevante que pode, dentre outras coisas, impedir perdas e frustrações. Este texto poderia ser aplicado a diferentes áreas do conhecimento humano, mas, claro, vou procurar sempre me ater à área de investimentos. Com isso em mente, vamos lá, então?
Imagine que Antonio, Bruna e Carla realizaram investimentos muito semelhantes em 2023, com o mesmo perfil de risco e rentabilidade projetada. Após doze meses, eles tiveram as seguintes rentabilidades mensais (observe com atenção a tabela abaixo):
Neste caso bastante peculiar, porém didático, perceba que eles tiveram as mesmas rentabilidades mensais (12% positivos em seis meses, menos 8% nos outros seis meses), entretanto em ordens distintas. Por óbvio, a rentabilidade total ao fim do ano foi a mesma (19,7%) e o risco medido pela volatilidade (desvio-padrão amostral) também: 10,4% ao mês. Como as medidas estatísticas ligadas a investimentos não enxergam ordem, é claro que qualquer delas será igual para os três investimentos. Mas será que os três investidores chegam ao final do ano igualmente felizes? Será que você seria indiferente quanto aos três resultados acima ou você teria alguma ordem de preferência para sofrer menos e acabar o ano mais feliz, em que pese com a mesmíssima rentabilidade? Pense a respeito um pouco.
Pessoal, neste ponto do texto, a gente dá uma parada para falar de algo fundamental: felicidade ou qualquer outra palavra que você queira utilizar para expressar a satisfação total ao longo de uma jornada qualquer. Eu bato sempre na tecla que tudo na vida precisa maximizar a nossa felicidade acumulada. E com os nossos investimentos, isso não pode ser diferente. Assim, eu acredito com convicção que a melhor estratégia de investimento é aquela que tende a nos deixar os mais satisfeitos (e tranquilos) o tanto quanto possível. Note que essa perspectiva é diferente da perspectiva de obter o máximo retorno possível porque retornos são incertos e vêm sempre com boa dose de risco (e essa dose de risco pode não ser adequada para mim ou para você). Logo, a minha perspectiva equilibrará o quanto de risco você consegue assumir (sem prejudicar a sua saúde mental e a sua felicidade!) com o tanto de rentabilidade que você pode alcançar: faz total sentido, não? Investir a qualquer preço, definitivamente, não é um caminho saudável.
Na Teoria Econômica, falamos na tal função utilidade, que mede a felicidade que o dinheiro pode proporcionar. Infelizmente, essa teoria é passível de muitas críticas e, cada vez que se resolve um problema com uma nova função utilidade, percebe-se um novo ponto de distanciamento da realidade. Isso porque a felicidade do ser humano é muito, mas muito difícil mesmo de ser definida (ou moldada) e está sujeita a aspectos comportamentais que podem, inclusive, se alterar com o tempo. Mas, dito tudo isso, vamos continuar com o nosso exemplo?
Aspectos comportamentais são importantes na definição dos nossos sentimentos (de felicidade, frustrações, tristezas etc.). E isso acaba fazendo com que, ao final do ano, o sentimento e a felicidade acumulada com os três investimentos acima sejam diferentes. Comecemos pelo caso do Antonio: seu investimento fez um primeiro semestre incrível, com seis retornos muito bons e acima dos seus colegas (que aqui representam para ele “o mercado”). Isso, claro, gerou uma felicidade bem bacana para ele. Entretanto, os seis meses seguintes foram extremamente frustrantes porque ele criou uma forte expectativa de ter um ano maravilhoso e acima do mercado, o que acabou não acontecendo. E nesse momento, um aspecto comportamental é brutal conosco: infelizmente, nossos sentimentos não são simétricos em relação à felicidade e à tristeza (em outras palavras, nesse contexto, “+1” e “-1” não se anulam). Alguns irão comparar Antonio com o Botafogo no ano passado e isso mostra que já entenderam o meu ponto. Mas para aqueles que não acompanham futebol, vou explicar.
Para compreender bem esse aspecto comportamental, imagine que você tenha jogado na mega-sena da virada e está numa festa de Reveillon bem legal e alegre quando alguém liga a TV para ver o sorteio. Ao ver os números sorteados, você cai em êxtase porque acertou a sena! Ao procurar o bilhete, descobre que o perdeu e não consegue achar de jeito algum.
Qual o sentimento que fica? Em tese, nada mudou, né? Você continua sem a bolada da mega-sena e segue numa festa legal. Porém, é muito provável que você ficará extremamente frustrado por ter perdido o bilhete (talvez até furioso!). Teria sido melhor não ter acertado a sena, mesmo que isso não mude absolutamente nada prático na sua vida. Pois é... é disso que estamos falando ao comparar as rentabilidades do Antonio e da Carla: esta última tem rentabilidades mais uniformes, gerando menos frustração e um sentimento mais positivo construído ao longo do ano.
E o caso da Bruna? Alguém pode imaginar que é o oposto do Antonio, mas novamente a racionalidade trai o nosso comportamento e, portanto, nossos sentimentos. Bruna passará os seis meses iniciais do ano extremamente frustrada por seus investimentos irem tão mal. E nos seis meses seguintes, claro que ela fica mais alegre por ter rentabilidades positivas, mas ela nunca estará verdadeiramente feliz porque ela está sempre abaixo do mercado (só igualando a este no último mês do ano). É o conhecido aspecto comportamental reconhecido pelo ditado: “a grama do vizinho está mais verde que a minha” – e isso gera uma frustração danada! Concorda?
Via de regra, Carla será a pessoa que acabará o ano mais tranquila com seus investimentos por não ter passado pelos percalços que Antonio e Bruna passaram (cada um com as suas frustrações diferentes). Isso se dá porque a nossa felicidade não depende apenas do ponto de chegada, mas sim da forma como chegamos lá (em outras palavras, nossa felicidade depende sim do caminho percorrido). E nenhuma métrica de análise de performance existente saberá quantificar esse tipo de coisa.
Com isso, pessoal, é muito importante compreender que ainda não sabemos tudo! Ainda não sabemos medir isso precisamente (ou mesmo com alguma imprecisão satisfatória). Por essa razão, é importante não apenas olhar para as métricas de análise de performance na hora de investir, mas ir além delas e procurar incorporar os seus (frise-se: da sua pessoa!) aspectos comportamentais ou, ao menos, tentar racionalizá-los para você investir mais feliz e se frustrar menos. Aliás, isso poderia enveredar para uma outra discussão igualmente complexa, mas tão relevante e interessante quanto: como controlar nossas emoções (aspectos comportamentais) a fim de sermos mais felizes?
Observação 1: a questão da definição de felicidade e frustração é tão incrivelmente complexa que se altera em diferentes contextos. Por exemplo, no caso dos investidores acima, acho que é indiscutível o fato da Carla terminar o ano mais tranquila e realizada (em que pese todos os investidores finalizarem o ano com a mesma rentabilidade e volatilidade realizada). Mas entre Antonio e Bruna, quem você preferiria ser? Eu tendo a dizer que Antonio, pelo fato dele ter passado seis meses muito feliz por ter ficado bem acima do mercado. Mas imagine agora isso no contexto de uma partida de futebol. O time Azul (BVMF:AZUL4) (do Antonio) termina o 1º tempo vencendo o time Branco (da Bruna) por 6x0. No 2º tempo, o time Branco volta com tudo e consegue incrivelmente o empate, terminando o jogo em 6x6. Sabemos que Antonio e os torcedores do time Azul sairão extremamente frustrados e tristes com a partida. Já a Bruna e seus colegas torcedores do time branco sairão cantando como se tivessem vencido a partida, não é verdade? Quem acompanha futebol sabe que seria exatamente assim. A felicidade aqui se inverteu! Ah, esse tal aspecto comportamental...
Observação 2: não posso deixar de comentar que há na literatura acadêmica avançada funções de utilidade que tentam incorporar aspectos comportamentais – eu mesmo já trabalhei com algumas em minhas pesquisas acadêmicas. Mas, infelizmente, ainda não há consenso sobre nenhuma delas, muito menos uma candidata que se habilite a explicar, de fato, o modus operandi de como nossos sentimentos funcionam. Será que um dia conseguiremos chegar lá? Ou esse é um dos segredos que Ele guardou para si? Tendo a acreditar que ainda estamos muito longe dessa resposta.
Um forte e respeitoso abraço a todos vocês. Fiquem à vontade para comentar abaixo com o intuito de agregar conteúdo à discussão. Para saber muito mais e acompanhar todo o meu trabalho, fica o convite para me seguir (@carlosheitorcampani) no Instagram, no LinkedIn e no Youtube.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.