Boa parte das emissões de gases de efeito estufa no Brasil vêm do que chamamos de mudança do uso do solo, que é a remoção de uma vegetação pelo desmatamento ou queimada. Neste contexto, os instrumentos financeiros são fundamentais para mudar a dinâmica do uso do solo ao fomentar o aumento da produção por meio de melhorias na eficiência e gestão das terras atualmente degradadas. Nessa dinâmica, os modelos produtivos a serem fomentados por esses mecanismos financeiros precisam priorizar sistemas mais resilientes às mudanças climáticas, como uma estratégia de adaptação.
Assim, as finanças são uma peça essencial no quebra-cabeça desta transição setorial e complementam outros esforços, como políticas de compra na cadeia de suprimentos, monitoramento e transparência, abordagens estaduais e ampliação das exigências ESG pelos investidores.
Hoje, temos tecnologia disponível no Brasil, com práticas já comprovadas, que permitem um aumento no nível de produtividade de três a cinco vezes na pecuária, mantendo um sistema baseado em pastagens e alimentação à base de gramíneas. A expansão da produção de grãos, por outro lado, pode se beneficiar das práticas de intensificação da pecuária, que liberam espaço em áreas já abertas e com aptidão para agricultura, possibilitando o aumento da produção e diversificação de alimentos associado à conservação de vegetação nativa. De olho nesta oportunidade, o Governo brasileiro lançou, em 2023, seu Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, que busca alcançar US$ 120 bilhões de investimentos nos próximos 15 anos para recuperar ou converter 40 milhões de hectares de pastagens, o que equivale a 10% da Amazônia brasileira.
Neste sentido, o Brasil se diferencia de outras economias emergentes pela sofisticação de seu sistema financeiro e mercado de capitais, que, especialmente para agricultura, já possui produtos securitizados de curto prazo com longo track-record (histórico de desempenho) de operação. Esse nível de maturidade faz com que as estruturas de blended finance sejam uma excelente alternativa para expandir o uso desses instrumentos para produtos de longo-prazo, favorecendo o investimento em uma agricultura e pecuária de baixo carbono. De fato, na agricultura, estão se tornando cada vez mais comuns os mecanismos financeiros que favorecem práticas regenerativas e a produção livre de desmatamento e conversão. Algumas empresas do agronegócio e bancos já criaram programas de empréstimos que oferecem financiamento de longo prazo para recuperação de pastagens degradadas e aumento de produtividade, como Syngenta, Banco Itaú (BVMF:ITUB4), Louis Dreyfus, Bunge (NYSE:BG) e Banco Santander (BVMF:SANB11).
Citando um exemplo, o programa Reverte Cerrado, parceria entre a The Nature Conservancy (TNC) Brasil e Syngenta, oferece empréstimos com prazos de até dez anos, para expansão da produção de soja em áreas abertas. Outro mecanismo que merece destaque no mercado de grãos é o Responsible Commodities Facility (RCF), que fornece um crédito mais atrativo a produtores que conservam áreas de vegetação nativa acima das exigências legais, áreas conhecidas como excedente de Reserva Legal.
Na pecuária, há necessidade de produtos financeiros de longo prazo associados à assistência técnica para intensificação da produção, o que exige um investimento inicial para cercamento, recuperação de pastagens, melhorias no solo, aquisição de maquinários, genética e treinamento de mão-de-obra. Porém, a maior parte dos produtos de financiamento disponibilizados no mercado são de curto prazo. Um exemplo é o Plano Safra 23/24, em que 75% dos recursos são destinados para custeio e apenas 25% para investimento, sendo que esta é, hoje, a principal fonte de recursos de longo prazo para o produtor mediano. Ao contrário do mercado de grãos, a produção pecuária no Brasil não utiliza com frequência os instrumentos de securitização porque a maior parte da produção é comercializada no mercado spot, com pagamento à vista e pronta entrega da mercadoria, o que torna mais desafiador o desenvolvimento de mecanismos de blended finance. Um bom exemplo de blended finance para pecuária é o Renova (BVMF:RNEW11) Pasto, produto de longo prazo, oferecido pelo Rabobank aos seus clientes, a partir do compartilhamento de riscos de um fundo de blended finance holandês, chamado Agri3.
O Brasil demandará uma grande injeção de capital catalítico (filantrópico ou de fomento) até 2030 para conduzir o mercado de blended finance na agricultura de forma a obter uma Tese de Investimento Estabelecida, com base para fundamentar essa alternativa e que seja capaz de atrair capital comercial em escala. O capital catalítico, entendido como aquele que possui uma tolerância a maiores riscos e menores retornos vinculados a maiores impactos socioambientais ou transformação de cadeias, precisa ser ampliado para que possa:
• Assumir posições subordinadas, primeiras perdas, assegurar e melhorar produtos de crédito e gerir riscos cambiais;
• Ter preços verdadeiramente concessionais para atrair capital comercial e permitir uma proposta de valor convincente para os agricultores;
• Usar estruturas e KPIs ambientais e sociais robustos, porém simplificados
• Empregar procedimentos de revisão e aprovação oportunos e comercialmente adequados;
Tal como aconteceu com as energias renováveis há cerca de 20 anos, estamos nas fases iniciais de aceleração de empréstimos e investimentos para a transição para uma agricultura de baixo carbono, que precisa estar associada a critérios e incentivos à conservação da vegetação nativa, sem a qual não é possível alcançar os compromissos de clima ou mitigar as mudanças climáticas. No entanto, precisamos acelerá-la para garantir soluções permanentes enfrentamento às mudanças climáticas e perda de biodiversidade.