Piadinha clássica sobre a ciência jovem:
Um avião privado cai no meio do deserto. Sobrevivem um físico, um químico e um economista. Eles caminham a esmo, famintos e sedentos, na noite fria sob vento intenso. Não há nada que comer ou beber. Então, encontram uma grande lata de sopa deliciosa e quente. Como abri-la?
O físico prontamente sugeriu usar uma pedra para quebrá-la. Também considerou montar um bom plano inclinado e montar a alavanca mais eficiente.
O químico pensou em fazer uma fogueira e aquecer a lata, de tal maneira que a dilatação permitiria sua abertura.
O economista foi enfático: “Suponha que temos um abridor de latas…”.
É muito duro conversar com pessoas sem capacidade de abstração. Mas é também difícil falar com indivíduos abstratos demais, sem apego à realidade, enterrados em seus próprios modelos matemáticos e mentais.
Há um grande desafio na ciência. A realidade é muito complexa. Para fazer testes e chegar a conclusões sistemáticas, precisamos adotar certas premissas e simplificá-las a ponto de permitir-se alguma representação esquemática. Para isso servem os modelos. Ninguém vai desenhar uma maquete de tamanho original.
O diabo, porém, mora nos detalhes. Emerge daí um enorme desafio metodológico. O que significa uma simplificação necessária à modelagem sem perda de generalidade e eficiência? E o que representa uma banalização da realidade, uma simplificação excessiva que a descaracteriza, jogando fora o bebê junto com a água do banho? O mito da Cama de Procusto ilustra bem o problema.
Economistas — e aí dentro estão os financistas — são craques em simplificações exageradas. Invejosos da Física, quer dar às complexas ciências sociais, em que testes de laboratório são sempre mais capciosos e dificilmente podemos contar, de fato, com a imposição do “ceteris paribus”, precisamos do reducionismo comportamental e de variáveis explicativas exógenas para conseguir fazer nossas desejadas derivações formais. O mundo é um diferencial total, não uma derivada parcial. Isso dificulta bastante a vida da modelagem.
A montagem de portfólio é um dos exemplos clássicos. O próprio Markowitz, depois de suas derivações formais que lhe renderam o prêmio Nobel, jogou a pá de cal sobre o assunto: “Tudo isso deve ser feito com a razoabilidade de um homem prático.” No fim, tudo é mais sensibilidade e capacidade de julgamento do que uma sugestão do Excel.
Todos sabemos do problema. Mas é difícil escapar das tentativas de simplificação. Se não há como representar algo de forma fácil, temos uma apresentação ininteligível, que possivelmente vai ser interpretada como inferior à outra. A simplicidade é uma das regras vencedoras de retórica.
Gostamos de padrões, de rótulos e de caixas para enjaular nossas decisões. “Eu só compro empresas de value investing clássico.” “Distribuo meu portfólio em três blocos: estrutural, tático e momentum.” E para me colocar dentro do grupo: “Tenho abordado a carteira em três pilares: commodities, tecnologia e cíclicos domésticos”.
Mantenho otimismo para cada um dos três.
A economia global se recupera de maneira contundente e há muita liquidez no mundo, o que ajuda as matérias-primas. Como bem caracterizou Rogério Xavier em evento recente, a principal economia do mundo crescer 10% em termos nominais não é brincadeira.
Empresas de tecnologia representam a Nova Economia e a grande tendência secular, com possibilidades reais de crescimento secular. Em adição, passaram por boas correções nos últimos meses e as taxas de juro de mercado, ao menos momentaneamente, se acomodaram. Os operacionais seguem bons.
E os cíclicos domésticos, no geral, seguem bastante amassados e estão prontos para se beneficiar em saltos não lineares e não graduais da recuperação da economia.
Numa gigantesca simplificação, é meio por aí. Mas isso é simplista demais. Precisamos penetrar em cada um dos segmentos e separar o joio do trigo.
Tecnologia é muito amplo. Há nomes absurdamente caros nessa história. E existem outros em valuations razoáveis, que estão entregando e realmente merecem múltiplos mais esticados. Mais do que isso, vale observar quem cresce sem rentabilidade e queima muito caixa (principalmente com “other people’s money”). Em e-commerce, por exemplo, veja quem realmente é omnichannel, cresce com velocidade e gera caixa. Procure os vencedores de cada nicho, seja em grandes marketplaces ou em nichos específicos de canais verticais. Ou foque nas big techs, onde, apesar dos fatos estilizados superficiais, não há bolha alguma — tem gente ali negociando abaixo de 30 vezes lucros, com uma geração de caixa brutal e crescimento contratado por anos. Relação risco-retorno bem boa. Se for pra ficar nas pequenas, Méliuz (SA:CASH3), pra mim, é o nome certo no Brasil. Management está entregando crescimento orgânico e via aquisições, tem um time forte e uma cultura diferenciada, e a aquisição da Acesso pode ser transformacional, agregando uma opcionalidade brutal.
Commodity também tem coisa boa e ruim. Depois do choque dos últimos dias, parece que ninguém quer mais. Impressionante como os temas se alternam e mudam tão rápido. Mas não é por aí. A pergunta não é se o minério vai continuar subindo depois de bater US$ 230 por tonelada. O ponto é quanto ele pode cair e ainda deixar Vale (SA:VALE3) barata e com muita geração de caixa, cujo corolário é o nível alto de dividendos. Hoje, Vale negocia a 3 vezes EV/Ebitda e continuaria barata mesmo se o minério caísse 60% da máxima. A queda recente dos preços parece muito mais ligada a uma desalavancagem do sistema na China e à contenção de um movimento especulativo em contratos futuros, incluindo pessoas físicas, do que propriamente uma corrosão do balanço entre oferta e demanda física. Ainda há uma oferta bem apertada de minério para os próximos anos. Fora de Metals & Mining, os níveis atuais do petróleo parecem saudáveis. Petro é muito barata nesses níveis (ainda que mereça ser barata mesmo), e 3R tem um desconto descabido sobre PetroRio (SA:PRIO3) — se entregar Papa-Terra, que eu acho que sai no curto prazo, pode ser uma bela porradinha. Temos live com o CFO da companhia hoje, às 18h30. Fique ligado.
E esse lance da queda do minério, do rebar e do aço na China faz a ponte com alguns cíclicos domésticos. A turma dizimou as incorporadoras por conta da subida das taxas de juro de mercado e por preocupação com margem a partir dos aumentos de preço do aço. Os juros estão mais bem comportados agora, sem impactar financiamento imobiliário, e o aço já corrigiu 25% na China. Até quando isso vai ficar tão largado? Não sei. O timing nunca nos pertence. Mas uma hora nego acorda e isso rasga 30-40% em dois meses. Melhor estar preparado.
No final do dia, outra piada sobre minha profissão talvez seja ainda mais precisa.
Primeira Lei dos Economistas: Para cada economista, sempre existe pelo menos um outro com pensamento oposto.
Segunda Lei dos Economistas: Ambos estão errados.