O aumento no número de investidores em bolsa nos últimos anos, acompanhado das mais baixas taxas de juros desde quando nos entendemos por gente, trouxeram os fundos de ações para a ribalta. Há muitas informações objetivas sobre esses fundos disponíveis para os investidores, tanto no material de divulgação dos fundos quanto em sítios oficiais, como os da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e de serviços especializados. A preferência dos investidores por certo fundo de ações, contudo, talvez não se dê somente com base em informações objetivas, muitas delas possíveis de serem medidas, como o desempenho passado e a volatilidade. É possível que o investidor também considere outras informações que não podem ser facilmente medidas ou até mesmo observadas, como a impressão que tem sobre a habilidade e a reputação de um gestor. Rodrigo do Amaral e eu investigamos o tema em artigo publicado recentemente.
Em primeiro lugar, quais seriam as informações observáveis mais importantes na escolha de fundos de ações? A literatura acadêmica brasileira sobre o tema revela várias delas. Alguns autores alegam que indicadores de retorno ajustado ao risco passados, tal como o Índice de Sharpe, podem se associar a fundos de bom desempenho futuro, sugerindo que há alguma persistência no curto prazo segundo essa métrica de desempenho. Há, ainda, evidência de que o tamanho do fundo tem impacto positivo sobre seu desempenho e que sua longevidade, em contraste, tem impacto negativo. Taxas de administração menores e a existência de taxa de performance também parecem estar associados ao bom desempenho futuro, sendo que a primeira reduz os custos do fundo e a segunda pode alinhar o interesse dos gestores com o dos investidores, particularmente nos fundos de gestão independente. Aliás, a gestão independente, particularmente nos fundos para investidores qualificados, também parece estar associada a fundos vencedores, com destaque para a geração de alfa (retornos em excesso ao previsto pelos modelos de fatores de risco usuais). O leitor pode conhecer em mais detalhes o trabalho de diversos autores nacionais no nosso artigo.
Todas essas informações que podem estar associadas a fundos de ações de bom desempenho futuro são observáveis ou mensuráveis. Contudo, a avaliação do investidor também pode contemplar aspectos que não o são, tais como uma avaliação subjetiva sobre a habilidade, a reputação e a motivação do gestor. Num artigo publicado em 2008, Kacperczyk e coautores propuseram uma medida para representar essas informações qualitativas, subjetivas ou não mensuráveis chamada de return gap. O return gap é a diferença entre a performance de um fundo num certo período, digamos 3 meses, a que teria sido auferida pela carteira que existia há 3 meses, ou seja, no início do período de 3 meses, caso ela fosse mantida sem modificações. Isto é, o return gap é a diferença entre o retorno que o fundo realmente alcançou e aquele que teria obtido com a carteira de 3 meses atrás caso o gestor não tivesse feito absolutamente nada nesses 3 meses. O que se espera é que o return gap seja positivo, indicando que as negociações feitas pelo gestor nesses 3 meses, e não observadas, tenham agregado valor para o fundo e seus investidores.
O período de três meses se dá por ser aquele em que o gestor deve fazer a revelação da maioria das posições do fundo para a CVM. Há exceções para esse prazo, mas representam uma proporção muito pequena dos ativos do fundo. Em nossa investigação, fizemos alguns ajustes para apurar o retorno da carteira de 3 meses passados, cujos detalhes podem ser vistos no artigo já publicado. O importante é ter em mente que o return gap é uma medida que procura representar aquilo que o gestor fez que o investidor não pôde ver. Foram investigados 22 fundos de ações, um de cada um dos maiores gestores independentes brasileiros.
O return gap revelaria alguma coisa para o investidor? Sim. Os fundos de melhor desempenho nos 12 meses seguintes, em geral, foram os de maior return gap, mesmo depois dos ajustes a risco necessários. Esse resultado reforça a conclusão de outros autores a respeito da persistência dos retornos dos fundos de ações no Brasil. Curiosamente, alguns fundos com return gaps baixos apresentaram alfas positivos indicando que os fundos nessa situação e que captaram poucos recursos foram negligenciados pelos investidores. O return gap, portanto, é uma medida útil, que poderia ser calculada pelos gestores de fundos de ações e divulgada em suas lâminas mensais, junto com outras que já são comumente oferecidas, uma vez que seu cálculo por um investidor individual para diversos fundos que esteja considerando é trabalhoso, porém possível. Finalmente, cabe dizer que o return gap não explicou o fluxo de alocação de capital para os fundos.
Quem quiser saber mais detalhes, veja Rodrigo C. M. do Amaral e Ricardo P. C. Leal, "A escolha de fundos de ações usando informações não observáveis ou mensuráveis", Revista Contabilidade & Finanças, v. 32, n. 85, p. 143-157, 2021. DOI: 10.1590/1808-057x202010610
* Ricardo P. Câmara Leal foi professor titular de finanças do Coppead/UFRJ. Seus interesses incluem a gestão de carteiras de investimentos, o financiamento e a governança das empresas.