De repente, não mais que de repente, começam a “cair as fichas” e amenizada, em termos, a crise da pandemia do coronavírus, é possível avaliação com maior acurácia do legado que está ficando deste evento, mas também ganha visibilidade o insucesso com diretriz econômica da intentada ideia do “câmbio alto juro baixo”, não pela ideia em si, mas pela má coordenação dos parâmetros adequados e suportáveis pela dinâmica da economia brasileira.
Aflora a incontestável realidade, inúmeras vezes salientadas em nossos posts, de que a reação amplamente festejada por indicadores otimistas sobre o desempenho da economia, em especial varejo e indústria, decorrem consistentemente do fluxo de recursos generosos concedidos pelo governo através seus programas assistenciais às populações carentes ao longo dos últimos 6 meses.
Agora, o “raio x” do quadro atual aponta que o “câmbio alto e juro baixo” está exacerbado em ambas as pontas, até porque foi aleatório sem definir parâmetros teóricos para o objetivo, e os impactos do câmbio repercutem de forma intensa e incontornável de imediato nos preços dos produtos alimentares exportáveis, que migram para os preços internos os preços praticados no exterior aviltados pelo preço do dólar local em excessivo patamar.
O “câmbio alto” não se prestou como objetivado a atrair recursos externos para comprar o “Brasil barato”, promovendo intenso fluxo de investimentos externos e nem proporcionou ao BC a venda ocultamente desejada de venda de parte das reservas cambiais para reduzir a DP aproveitando a oportunidade do preço, bem como não motivou o setor privado da economia para foco maior nas exportações, exceto o setor do agronegócio que já tinha a vocação e valeu-se dos preços do dólar e dos produtos no mercado exterior para alavancar vendas, até excessivamente, a ponto de termos escassez em alguns produtos em que somos os maiores produtores do mundo.
O “juro baixo” não motivou os investimentos privados com a magnitude imaginada pelo governo, foi muito bom para o próprio governo para reduzir o custo de carregamento da DP, mas neutralizou totalmente a atratividade dos investidores estrangeiros pelo mercado brasileiro de renda fixa, impactando no fluxo cambial e em recursos também direcionados ao financiamento da DP, e provocou deslocamento dos investidores nacionais, no primeiro momento, para a renda variável na Bovespa, que sem encontrar consistência na dinâmica da economia, patina a meses e decepciona os investidores pessoas físicas ávidos de lucros rápidos.
Então temos, em síntese, um quadro preocupante em perspectiva:
- dicotomia entre IPCA (2%) e IGP-M(15%) é forte redutor de renda da população e impacta no consumo, pois salários sofrem reajustes pelo IPCA e os serviços e contratos pelo IGP-M;
- o setor de serviços que tem a força motriz de 70% do PIB sofrerá retração de consumo e atividade pela alta excessiva;
- inflação dos preços dos produtos básicos de alimentação exacerbados pelo “rebound” do “câmbio alto” é também forte redutor de renda e naturalmente de consumo;
- redução acentuada dos programas assistenciais do governo face à pandemia do coronavírus agora agravado pela desistência do Renda Brasil, é também forte redutor de renda e naturalmente de consumo;
- perspectiva de que o “novo” normal não gerará empregos de forma rápida e que os salários tendem a ser achatados, também quebra expectativas de renda e consumo;
- o “novo” normal tende a ter como legado da pandemia do coronavírus uma população menos consumista com mudança de hábitos.
Em realidade tudo deságua num questionamento objetivo:
“ como crescer num ambiente em que o consumo está sendo fragilizado significativamente, o que sugere queda de arrecadação pelo governo que tem que equacionar a consistente crise fiscal que coloca em risco o rompimento do teto orçamentário?”
Urge que o governo aja no sentido de corrigir as inconsistências na sua política monetária e cambial, a partir do equacionamento do desajuste do “câmbio alto e juro baixo”, buscando tecnicamente recolocá-los em parâmetros compatíveis, de forma que o câmbio recue o seu preço e o juro seja elevado em nível de recompor a atratividade do país aos investidores estrangeiros para renda fixa e, ao mesmo tempo, promova a oportunidade de melhor renda aos rentistas de cadernetas de poupanças para alavancar potencial de consumo.
O juro um pouco mais elevado atrairá recursos externos que como fluxo impactará na formação da taxa cambial adequando seu preço a nível, ainda alto, mas não expansionista de inflação.
Se não alterar o rumo do juro, certamente com os sinais agravados de inflação o próprio mercado que advoga redução da SELIC acabará impactando no curto prazo os sinais que já emite no longo prazo elevando-o abruptamente.
O choque do câmbio nos preços foi fortíssimo e pontual e requer ação imediata de mitigação também pontual e forte para evitar que se torne persistente e descontrolada.
“O primeiro grande passo é afastar o risco do retorno da inflação que seria desastrosa para o país, agir sobre os fatores que contingenciam a capacidade de consumo da população, pois se não houver consumo o país não sairá do lugar, a economia não gira, e poderá até retroceder e acentuar a crise fiscal.”
Parece inevitável que o preço do dólar precisa ser depreciado e o juro elevado, como reação imediata, para os ajustes iniciais das distorções presentes, sendo absolutamente ultrapassada e inútil a ação fiscalizatória na ponta final do consumo, os supermercados, quando se conhece a efetiva causa.
E, o governo que “sentiu” a efetiva limitação do orçamento ao renunciar ao programa “Renda Brasil”, deve tornar-se protagonista forte para impulsionar as aprovações das Reformas Tributária e Administrativa, e assumir por seus órgãos competentes diretrizes firmes no sentido de alinhar política monetária, fiscal e cambial a realidade de momento do país, mesmo que contrarie “dogmas” e vontades do mercado financeiro.