Que a indústria de “games” é extremamente lucrativa, não há dúvidas. Em 2021, um estudo da Accenture indicou um movimento ainda mais forte de busca por jogos online e por novas formas de interação social em função da pandemia. O valor total do mercado de jogos eletrônicos ultrapassou os US$ 300 bilhões e ganhou as manchetes ao superar os mercados de filmes e músicas somados.
Em 2022, com a pandemia ficando para trás e os ventos da macroeconomia soprando contra, o nicho de games apresentou uma queda de 4.3% YoY, totalizando US$ 184.4 bilhões em faturamento. Segundo as projeções da consultoria PwC, a expectativa é que o setor alcance um faturamento global de US$ 321 bilhões até 2026.
Já dentro do mercado de blockchain e criptomoedas, o cenário não foi diferente. Vimos o “boom” dos jogos “play-to-earn” como Axie Infinity no início de 2021 e, apesar do cenário macroeconômico afetando as criptomoedas e da queda do setor de games como um todo, um relatório recente da Absolute Reports estima um forte crescimento para a indústria de GameFi dentro dos próximos 6 anos.
A pesquisa projeta essa indústria de jogos de tokens não fungíveis (NFT) play-to-earn com um valor estimado de US$ 2,8 bilhões até 2028. Além dela, pesquisas do Cointelegraph também destacam o interesse de investidores “venture capitalists” durante este mercado de baixa. A Animoca Brands, por exemplo, adquiriu recentemente três empresas do ramo.
Quando fazemos uma breve análise do setor nos dias de hoje, vemos que apesar dos contratempos citados anteriormente, os games apresentam uma resiliência bastante interessante em relação às outras categorias do mercado cripto, seja no quesito “carteiras únicas ativas”, seja quanto ao “número total de transações”.
Fonte: Carteiras Únicas Ativas - Dapp radar
Fonte: Transações por categoria - Dapp radar
Além disto, o setor de GameFi ficou em terceiro lugar entre aqueles com maior investimento obtido em 2022, atrás apenas de “Blockchain Service” e “DeFi”.
Fonte: Crypto.com
Se tudo parece estar indo “bem”, qual a necessidade de uma reinvenção? Quais os contrapontos?
Apesar da taxa de crescimento exponencial que vimos nos últimos anos, devemos observar alguns fatores antes de acreditar que a tendência continuará de 2023 em diante. A forma como os jogos “play-to-earn” foram estruturados ainda levantam muitas dúvidas e preocupações. Em síntese, ainda não me parece que o alicerce que sustenta o setor seja sólido. Descrevo a seguir os motivos.
Inicialmente, o modelo da maioria dos jogos play-to-earn se baseia em uma estrutura econômica circular. Peguemos o caso do Axie Infinity como exemplo, onde os personagens do jogo são utilizados para obter tokens (SLP) que, por sua vez, são usados para reproduzir e gerar novos personagens. Uma ponta puxa e estimula a outra.
Em outras palavras, com uma valorização dos tokens, podemos dizer que os personagens são capazes de gerar maiores retornos, valorizando também os próprios personagens e criando maiores incentivos para sua reprodução/geração, o que novamente valoriza os tokens. A engrenagem se retroalimenta.
E, se por um lado, a oferta total de Axies – personagens do jogo – age de maneira positiva em um mercado de alta, havendo demanda para absorver essa oferta, a dinâmica não é verdadeira para o mercado de baixa. Ou seja, com a queda generalizada do mercado, não houve absorção para o excesso de personagens circulantes quando os jogadores passaram a vender massivamente seus axies.
O processo de queda desencadeado no setor de GameFi deixou evidente o quanto os jogos vinham sendo usados quase que integralmente como um investimento, como uma cartada especulativa, e pouco como um bom jogo sustentável estruturalmente. Muitos projetos apenas reproduziram o modelo econômico do Axie com pequenas modificações e não se mantiveram vivos.
Outro ponto que ficou evidente foi o fato de que, de forma apressada, muitos donos de projetos emitiram tokens que foram listados em exchanges antes mesmo de anunciar que iriam criar seus jogos. Inverteu-se a dinâmica e não havia qualquer modelo de utilidade atribuído inicialmente aos tokens além da promessa de que futuramente seriam úteis.
Assim, os tokens pareciam o foco principal, enquanto o jogo em si parecia acessório. Em outras palavras, o ambiente criado parece muito mais voltado para o “earn” do que para o “play”, e os investidores dominaram um setor que, para ser operacional, precisaria mesmo era de jogadores.
Essa estrutura criou um incentivo errado para que os usuários entrassem no ecossistema, corrompendo o mercado por dentro. Essa dinâmica poderia até se manter por algum tempo baseada em promessas e expectativas, mas indubitavelmente não seria sustentável a longo prazo. Daqui em diante, é preciso uma reestruturação do setor de forma que consiga manter a demanda mesmo nas fases de baixa do mercado, e isso passa pelo desenvolvimento de jogos mais complexos, bem feitos e integrados com outros nichos do mercado crypto. Uma maior profissionalização do nicho e a entrada de players tradicionais e centralizados pode servir para catalisar esse processo de amadurecimento.