Olá, Pessoal! O artigo de hoje nasceu de uma boa conversa e troca de ideias que tive com Camila Affonso, sócia do Leggio Group e Joseph Boukai, consultor do Leggio Group (meus coautores de tempos em tempos por aqui). O objetivo deste texto é desconstruir uma ideia que parece “edificada em concreto” e prejudica o desenvolvimento de muitos profissionais em Finanças e áreas afins. Lembro que atalhos podem ser ilusões que, na verdade, nos levam ao simplista e limitado. No caso de análises financeiras, falsos atalhos podem tornar a análise rasa e, muitas vezes, equivocada. Vamos lá?
Indicadores financeiros são métricas importantíssimas em diversas situações, desde uma análise da saúde financeira de uma companhia até o seu valuation, por exemplo, através de múltiplos. Neste contexto, é muito comum se deixar seduzir e recorrer à simplicidade das fórmulas para o cálculo de indicadores como guias confiáveis, irrefutáveis e indiscutíveis. No entanto, a mera aplicação de fórmulas pode ser uma grande armadilha, obscurecendo nuances relevantes que moldam a verdadeira saúde financeira de um projeto, de um investimento ou mesmo de uma empresa. Compreender de forma precisa o que estamos analisando é o cerne da questão para calcular indicadores efetivos e que muitas vezes precisam ter suas fórmulas tradicionais (ou seja, que constam em livros) adaptadas. Desta maneira, é essencial reconhecer que existem situações operacionais, estruturais e/ou contextuais que podem distorcer os indicadores, caso estes não tenham suas fórmulas devidamente tratadas.
O que você acabou de ler parece algo óbvio e cristalino, mas por incrível que pareça, não é a prática mais comum. Tenho muitos anos de experiência lecionando diversas cadeiras de Finanças para profissionais do mercado e sempre que passo pelo conceito de indicadores financeiros, muitos ainda se preocupam em perguntar “qual é a fórmula” antes mesmo de compreenderem o conceito e as razões de ser daquele indicador. E o pior é que, muitas vezes, as fórmulas são meramente indicativas do conceito, mas não devem ser interpretadas como universais. Infelizmente, a “regra” de muitos livros e até sites que explicam esse tema ainda é estabelecer uma fórmula pronta com a ideia de que ela é tudo que você precisa saber quando, definitivamente, não é (depois de ler este artigo, dê uma rápida busca na internet para verificar isso).
Vejamos o exemplo dos dois quiçá mais importantes indicadores financeiros de rentabilidade: o ROE (Return on Equity) e o ROA (Return on Assets). Ambos sugerem métricas de rentabilidade em um determinado período, sendo o ROE a rentabilidade sobre o capital próprio (ou patrimônio líquido, isto é, ativos menos passivos) e o ROA, a rentabilidade sobre os ativos totais da companhia. As fórmulas abaixo parecem ser óbvias e, aliás, são tradicionais em livros e sites que explicam esses indicadores.
ROE= Lucro Líquido / Patrimônio Líquido
ROA= Lucro Líquido / Total de Ativos
Legal, já usei muito essas fórmulas no mundo real. Mas agora suponha que você seja o CFO (isto é, o diretor financeiro) de uma empresa multinacional e esteja comparando os resultados de duas filiais situadas em países distintos com alíquotas muito diferentes de tributação sobre o lucro. Por exemplo, sua filial no Brasil paga um total de 34% (IRPJ + CSLL) e a filial em um paraíso fiscal paga apenas 5%. Se você quiser comparar a eficiência de cada filial em gerar lucro sobre os ativos ou sobre o seu capital próprio, não seria interessante expurgar o efeito tributário, que transcende a eficiência operacional e qualquer outra forma de eficiência do seu time de gestores em cada um dos dois países? Parece que sim, né. Neste caso, as fórmulas acima poderiam ser adaptadas para utilizarem em seus numeradores o lucro tributável (EBT - earnings before taxes) em vez do lucro líquido.
ROE= EBT / Patrimônio Líquido
ROA= EBT / Total de Ativos
Agora suponha que além da diferença tributária, suas duas filiais possuem estruturas de capital extremamente distintas, de forma que uma é muito mais alavancada do que a outra. Neste caso, uma boa ideia para comparar as duas filiais em termos de ROA seria utilizar o EBIT (earnings before interests and taxes) no numerador porque os juros pagos não deixam de ser uma remuneração a um dos financiadores dos seus ativos – afinal de contas, juros remuneram o capital de terceiros, que corresponde a uma fração dos ativos, não é verdade? A fórmula poderia ser adaptada assim:
ROA= EBIT / Total de Ativos
Desta vez, suponha ainda que os dois países em questão tenham regras também bastante diferentes em relação à forma como calculamos a depreciação e a amortização contábil dos ativos. Isso poderia sugerir o uso do EBITDA (earnings before interests, taxes, depreciation and amortization), ou seja, o caixa gerado antes dos juros pagos, dos impostos sobre o lucro, da depreciação e da amortização. E aí chegaríamos a uma nova variante para o indicador de rentabilidade dos ativos:
ROA= EBITDA / Total de Ativos
Por fim neste exemplo, agora imagine que a matriz multinacional tomou uma decisão estratégica de enviar um farto montante financeiro da holding para a filial brasileira a fim de usufruir das altas taxas de juros prevalescentes no país atualmente, de modo que esta filial gerou forte receita financeira no período, ao contrário da outra filial. Com isso, a fim de melhor comparar a eficiência operacional através do ROA, você decide adequar a fórmula para extirpar este efeito não operacional e meramente contextual para uma nova variante da fórmula:
ROA= EBITDA-Receitas Financeiras / Total de Ativos
Note que muitas empresas (não financeiras) já descontam do EBITDA as suas receitas financeiras, bem como inclusive calculam uma outra métrica usualmente conhecida como EBITDA Ajustado com outras deduções referentes a receitas não recorrentes e excepcionais ou ainda decorrentes de alterações contábeis. Aliás, temos neste caso a mesma ideia cerne deste texto: ajustar as fórmulas dos indicadores para se ater ao conceito pretendido!
Percebam como o exemplo acima pode ir longe, não é verdade? O que você prefere fazer: uma análise engessada a fórmulas decoradas e que podem ser completamente indutoras de erros ou uma análise crítica que adeque o indicador financeiro à situação e, principalmente, aos objetivos da análise em si? Parece que não há discussão aqui. Meu ponto é: então por que procuramos nos agarrar a fórmulas? Precisamos, sim, compreender o conceito para depois construir a fórmula, com a cabeça aberta de que provavelmente não haverá fórmula universal e, portanto, esta precisará ser reconstruída quase que caso a caso para cumprir a sua verdadeira função. Esta é a bandeira que quero levantar neste artigo. E, claro, esta bandeira não se limita aos indicadores financeiros e pode facilmente avançar sobre outros campos.
Vejamos agora o caso de três siglas de indicadores financeiros que você pode encontrar por aí. Há o ROI (Return on Investment), o ROIC (Return on Invested Capital) e o ROCE (Return on Capital Employed). Qual a formula para cada um deles? Ops, viu como induzi vocês ao erro, perguntando de cara qual é a fórmula? Não é por aí...
Nesse caso, há grande confusão porque se você fizer como eu fiz (ou seja, uma ampla busca online sobre esses indicadores), provavelmente sairá mais confuso do que nunca. Isso porque não há fórmulas universais. Então deixa eu jogar luz sobre esse ponto. Para isso, devo começar PELO CONCEITO, não por fórmulas. O conceito para os três indicadores é o mesmo: uma métrica para a rentabilidade do investimento realizado, ou seja, para cada unidade monetária investida, qual foi o retorno no período em análise. Tudo bem, até aqui?
Beleza, então. Já vimos no caso do ROE e do ROA que o numerador pode ter diversas variantes e tudo que foi discutido antes também vale aqui. Isto, por si só, já nos afastaria da tal “fórmula milagrosa universal” para tais indicadores. Mas quero ir além e compartilhar com vocês a confusão que existe no denominador destes indicadores. Qual seria a diferença entre “Investimento” (ROI), “Capital Investido” (ROIC) e “Capital Empregado” (ROCE)? Na minha sincera opinião, nenhuma diferença. Ou melhor, alguém até pode vir a definir três conceitos diferentes para essas três expressões, mas a verdade é que isso não está “edificado em concreto”. E sabem por quê? Porque isso não é importante assim como não é importante eu definir cinco nomenclaturas distintas para as cinco variantes de fórmulas apresentadas para o ROA.
Pessoal, notem o que estou querendo dizer: é irrelevante ficar definindo (e extremamente chato ficar decorando) fórmulas em cima de fórmulas. O ponto fundamental é você definir o seu objetivo na análise com um conceito claro e, então, encontrar/desenvolver a fórmula adequada para melhor expressar aquele objetivo. E reparem que há diversas situações nas quais um único indicador financeiro não será capaz de cumprir determinado objetivo sozinho, ao passo que para uma análise abrangente você precisará de vários indicadores simultaneamente.
Mas, voltemos ao singular caso do ROI/ROIC/ROCE. Muitas vezes, estas siglas (principalmente as duas últimas) são utilizadas sob o contexto de se ter no denominador os ativos exceto aqueles que não são exatamente investimentos na operação da companhia. No exemplo da filial brasileira que dispunha em seu balanço de um empréstimo vultoso da matriz para investimento na taxa Selic, esse poderia ser um montante a ser deduzido dos ativos para cálculo do ROI/ROIC/ROCE por ser específico, contextual e não operacional (por consistência, os juros recebidos também deveriam ser deduzidos no numerador). Por outro lado, em uma situação extrema onde todos os ativos estão devidamente investidos na operação em si, o ROI/ROIC/ROCE terá o mesmo conceito do ROA.
Para efeito de clareza do que quero compartilhar, volto ao ponto central específico desta tríade: é claro que alguém poderia criar definições precisas e que diferenciassem investimento (ROI), capital investido (ROIC) e capital empregado (ROCE) e até já vi por aí algumas definições. Mas, definitivamente, tais definições não são universais e se encaixariam, na melhor hipótese, em contextos específicos. Por exemplo, vou tentar ilustrar uma vertente às vezes utilizada para diferenciar capital investido (ou capital empregado, a depender da sua preferência) de investimento: alguns sites e livros pregam que o denominador deveria ser o total de ativos menos o passivo de curto prazo sob a ótica de que este montante não está, em tese, investido na empresa (“pois esta é de longo prazo”). Não obstante, essa definição está longe de poder ser generalizada. Por exemplo, imagine uma dívida contraída no passado como de longo prazo, mas que está prestes a vencer. Para efeito contábil, essa dívida passou a ser lançada como um passivo de curto prazo simplesmente porque seu prazo de vencimento é curto. No entanto, a empresa já decidiu rolar a dívida com um novo empréstimo de longo prazo. Perceba que, então, faz sentido considerar essa dívida como capital investido, ainda que ela seja classificada atualmente como um passivo de curto prazo. Esse é um belo exemplo de como o conceito precisa prevalecer perante fórmulas matemáticas.
Normalmente, fala-se em ROI quando se utiliza no denominador um montante investido em determinado projeto. E muitas vezes se utiliza o valor histórico investido que não é necessariamente igual ao atual valor contábil. Já a utilização tradicional das siglas ROIC e ROCE parece ser escolha pessoal de quem “está com a caneta”. Serei, uma vez mais, claro neste ponto do artigo, indo de encontro ao que se encontra muitas vezes por aí: não há definições precisas para distinguir esses dois indicadores, de modo que eles têm o mesmo conceito (assim como o ROI, frise-se). Na minha busca online antes de escrever este texto (repito: faça você também), alguns sites até tentam distinguir os dois conceitos, mas a tentativa é absolutamente falha. Além de não exatamente definirem conceitos distintos e precisos para as duas siglas, cheguei a ver fórmulas matemáticas equivocadas e, o que é pior, que passam a impressão de serem definições “edificadas em concreto” tais como a soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo igualar o quadrado da hipotenusa.
Para eu ilustrar isso que acabei de falar, não é incomum você encontrar a fórmula abaixo para ROIC:
ROIC= Lucro Líquido / Capital Investido
Notem que o numerador, a depender do caso, pode facilmente ser alterado para qualquer das quatro variantes apresentadas anteriormente para o ROA. E o denominador é genérico demais, concordam? O capital investido, conceitualmente, pode ser o total de ativos em muitas situações realistas, o que faria a fórmula do ROIC recair sobre o ROA (como, aliás, comentei acima). Por sua vez, uma busca online também facilmente encontraria a seguinte fórmula para o ROCE:
ROCE= EBIT / Capital Empregado
Quanto ao numerador, novamente trata-se de uma das variantes discutidas acima e não há uma melhor escolha do que a outra. Há um contexto, um objetivo de análise e então discute-se qual o melhor numerador dentre os apresentados e outros igualmente possíveis e não apresentados. Já no que diz respeito ao denominador, vale o mesmo que já escrevi: genérico a ponto de cair no conceito que expus lá no início da conversa sobre ROI, ROIC e ROCE. Já vi ainda fórmulas ainda mais imprecisas (e supostamente elaboradas) do que as acima, mas nem vale a pena citá-las para não os confundir: repito que não há na literatura acadêmica uma definição clara que diferencie capital investido de capital empregado. Com isso, somos livres para criar nossas definições e utilizações, dentro do contexto com o qual estivermos trabalhando. E deixar isso claro para nossos leitores e/ou interlocutores.
Finalizo este artigo com a mensagem final que gostaria que cada um de vocês levasse consigo:
“Qual a melhor fórmula para ser utilizada enquanto indicador financeiro? Depende! Depende dos seus objetivos e do contexto em análise. Compreender o conceito e onde se quer chegar (ou seja, que tipo de análise se deseja conduzir) é fundamental para encontrar a melhor fórmula para determinado indicador. Ou até mesmo identificar mais de uma fórmula para se obter diferentes indicadores e, portanto, uma análise mais robusta. Principalmente quando se trata de indicadores financeiros, não se apegue a fórmulas prontas: o conceito deverá sempre prevalecer. Caso contrário, corre-se o sério risco de se obter uma análise míope por conta de especificidades inerentes a qualquer contexto realista!”
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.
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