Com a inflação global quebrando recordes de décadas, em especial nos mercados desenvolvidos, e as perspectivas de crescimento econômico sendo reduzidas a cada dia, muita gente se sente tentada a correr para a gestão ativa. A premissa básica é de que, ao selecionar ativos por conta própria e girar a carteira conforme o humor dos mercados, será possível obter um retorno melhor (ou menos pior) que a média.
Existe, entretanto, um grande problema: não há qualquer evidência científica que reforce essa premissa. Poderíamos parar por aí, mas a grande questão é que não existe também nenhuma evidência concreta que mostre que uma equipe de gestão seja capaz de fazer isso de forma minimamente consistente. Isto é, com retornos persistentemente maiores que a média global do mercado em vários períodos de tempo diferentes.
Não digo isto sem saber das implicações. Embora não exerça essa função, sou analista CNPI, e não foi fácil aceitar que a gestão ativa era uma ilusão. Acontece que o corpo de evidências disponível hoje me obrigou a aceitar esse fato e hoje trabalho com uma perspectiva totalmente passiva. Apesar de desconfortável no início, hoje tenho a tranquilidade de saber que estou do lado da ciência e do bem-estar de quem investe sob minha consultoria.
Com isso em mente, gostaria de falar um pouco sobre como uma abordagem passiva lida com as graves ameaças ao crescimento econômico global no curto, médio e longo prazo. Para isso, precisamos entender um pouco sobre a teoria financeira moderna e um de seus pilares: a hipótese do mercado eficiente.
Tudo está no preço
Um dos pontos centrais da gestão ativa é que, com base nas informações atualmente disponíveis, seria possível selecionar ativos que estão com o preço abaixo de seu valor real. Essa diferença, que tende a ser corrigida com o passar do tempo, faria com que fosse possível assumir menos risco e extrair mais lucro das aplicações – eventualmente, batendo um índice global ou local que tenha alto grau de diversificação.
A hipótese do mercado eficiente vai, de certa forma, no sentido oposto. Quanto mais eficiente for um mercado, maior a sua capacidade de refletir todas as informações relevantes e públicas no preço do ativo. Com isso em mente, as informações que estão disponíveis para serem analisadas são muito rapidamente embutidas no preço dos ativos, fazendo com que as demais oscilações sejam rigorosamente imprevisíveis. Com isso em mente, erros e acertos no mercado são largamente explicados pelo efeito da sorte.
Bom, mas se as variações no preço de ativos individuais são explicadas pela sorte, por que índices de ações ou renda fixa continuam se valorizando no tempo? Tudo se resume a uma questão de risco. Se investimos em um índice amplamente diversificado, estamos nos expondo apenas aos riscos que afetam o mercado inteiro, e que precisam ser premiados no longo prazo para que o mercado continue funcionando.
Isso porque se o mercado não oferecesse um prêmio pra quem assume o risco de investir, não existiria razão econômica para fazê-lo. Ao investirmos, em linhas gerais, no mercado inteiro, estamos contando que empresas – sejam elas quais forem – ou títulos de renda fixa, irão continuar se valorizando como tem sido o caso ao longo de mais de cem anos. Tudo isso sem precisar assumir o risco específico de nenhum ativo.
Daí que, no geral, ninguém consiga bater um índice global ou amplamente diversificado, de forma consistente. Riscos que podem ser diversificados, em geral, não possuem expectativa positiva de retorno no médio e longo prazo. Embora exista um prêmio possível, como ele depende da sorte, não faz muita diferença escolher ações de forma randomizada ou pagar caro para alguém fazer isso por você.
Investindo passivamente num cenário incerto
Quando investimos, abrimos mão do dinheiro agora pela possibilidade de um retorno futuro que seja positivo. O grau de incerteza sobre o tamanho desse retorno é o que chamamos de risco, mas apenas no caso dos que possuem uma expectativa positiva e não existem muitos que podem ser utilizados por quem investe.
Com isso em mente, e sabendo que não há informações a serem analisadas que tenham capacidade de prever rendimentos mais altos no futuro de forma consistente, uma abordagem passiva adota a mesma postura num cenário de expansão ou retração econômica. Como o futuro é incerto e apenas os riscos sistêmicos, que afetam o mercado como um todo, tendem a gerar prêmios relevantes, nada muda em termos de alocação.
O risco da alocação em si, que é a proporção entre renda fixa e variável, se mantém o mesmo independente da situação presente. O que define essa proporção é que varia em função de cada pessoa, sua tolerância ao risco de variação nos rendimentos, objetivos, etc. Só que como dificilmente alguém vence um índice, buscar esse retorno é a estratégia mais racional e eficiente para garantir um bom futuro, seja no curto, médio ou longo prazo.