O contexto global mudou muito desde o início do governo do Presidente Bolsonaro, e, desta forma fez sucumbir estratégias definidas pelo Ministério da Economia como verdadeiros dogmas para nortear a política monetária e cambial, pois afora a grandeza da crise da pandemia do coronavírus que afetou a economia mundial, mesmo antes, já dava sinais de insucesso por não despertar os interesses de terceiras partes objetivadas.
O Ministro Guedes afirmava que a nossa política promovia a desindustrialização e isto precisava ser revertido, e que, o país iria desenvolver um expressivo programa de privatizações que provocaria forte fluxo de recursos externos para o país.
Com base nesta tese base e mais alguns outros aspectos criou o “dogma” de que a solução viria a partir da introdução da política monetária e cambial que ensejaria o “câmbio alto e o juro baixo”, assim “barateando” o país aos investidores estrangeiros e esperando motivar o setor privado com o espírito empreendedor e estimular fortes investimentos, inclusive com foco no mercado exportador e ocasionando maior participação do mesmo no mercado interno face ao encarecimento do produto importado.
Uma estratégia arriscada visto que o Brasil vinha perdendo gradativamente, e em alguns momentos até intensamente, atratividade para os recursos estrangeiros, seja para a conta capital seja para o mercado de renda variável, visto que a estratégia exterminou com o mercado de renda fixa onde era intensa a presença dos investidores estrangeiros, que contrariando a lógica da expectativa deixaram o país e não se deslocaram para a renda variável.
Por outro lado, as expectativas em torno de impulsão motivacional de investimentos pelo setor privado não se confirmaram a despeito do juro baixo, e, nem mesmo o câmbio alto promoveu a intensificação e dispersão da pauta exportadora brasileira, que, contudo, foi e tem sido muito positiva para o agronegócio que alavancado pela taxa cambial elevada e pela demanda forte internacional vem performando grande desempenho.
Ocorre que, ao beneficiar um único setor da economia, o agronegócio, impactou fortemente em repercussão negativa na economia e de forma intensa nos preços aviltados dos alimentos, trazendo forte inflação ao varejo pelo “pass-through” inevitável do atacado, ainda não sancionada pelo governo, mas inegavelmente presente como consequência do IGP-M extremamente potencializado que repercute a realidade, e que, inquestionavelmente, afetará os preços dos serviços administrados que são reajustados quase que automaticamente e de forma incontida e, em especial, os alugueres residenciais, que a despeito da crise, segundo o Imovelweb, foram reajustados em 5,7% na cidade de São Paulo nos últimos 12 meses.
Enfim, um benefício importante pontual e inúmeros malefícios potentes que corroem a capacidade de consumo da população menos abastada, que “sobreviveu” ao momento mais agudo da pandemia com as benesses financeiras dos programas assistenciais do governo, que agora estão sendo reduzidos bruscamente, após ter impacto extremamente dilapidador da situação fiscal, que já não era confortável, do governo.
Enfim, um quadro absolutamente complexo que envolve sinais ainda consistentes de desemprego, queda acentuada de renda da população que ainda não repercutiu totalmente no consumo, crise fiscal no governo conflitando com os anseios políticos do Presidente em estimular programas assistenciais a população carente, agora já com cunho eleitoreiro, e incertezas inúmeras prospectivas, com a certeza de que o “novo normal” será bastante diferente.
Neste ambiente amplamente complexo e sem perspectivas confiáveis o que gera incertezas grandiosas, há clareza de que o “dogma” do “câmbio alto e juro baixo” apresenta não na ideia em si, mas nos seus parâmetros atuais forte desalinhamento e que estão provocando e podem intensificar ainda mais repercussões extremamente danosas e irreversíveis nos preços relativos da economia, com a retomada da inflação, independentemente de ser sancionada pelos órgãos de governo, mas sensível à clara percepção no cotidiano.
A inflação é algo endêmico no Brasil e muito presente na memória e que não precisa de grande esforço para se disseminar rápida e fortemente, e é o que vemos neste momento a partir do próprio mercado financeiro que pressiona por juros maiores para rolagem da Dívida Pública do governo, que como estratégia defensiva opta pela pior que é reduzir os prazos.
O dólar neste contexto atual tem seu preço pressionado não como consequência de demanda legítima de comércio e finanças, mas sim decorrente do juro baixo desalinhado com a realidade brasileira e de postura defensiva dos investidores que sentem insegurança, e este fato, que tecnicamente seria improvável, visto não haver saídas intensas de recursos do país e detendo o mesmo expressivo volume de reservas cambiais e mercado de derivativos sofisticado deveria ser sensível a ação profilática de intervenção do BC suprindo demandas no mercado futuro, em especial, e não exacerbando o preço.
Urge que o governo reconheça, antes que tenhamos repercussões mais impactantes e desorganizadoras da política monetária e cambial, que há um considerável descompasso nos parâmetros do “câmbio alto e juro baixo”, para que a inflação consequente não transforme tudo em “câmbio alto e juro alto” por conta própria.
O risco fiscal é juntamente com o risco eminente de rompimento do teto orçamentário com a prática de eventuais “práticas criativas” que o governo tente mascarar este rompimento são fatores desestabilizadores intensos, sendo que o câmbio não é o centro da questão, mas simplesmente o ativo de reserva de valor mais conveniente como postura defensiva no momento.
Parece inevitável que o BC/COPOM tenha que elevar a taxa SELIC já na próxima reunião e reavalie o seu “forward guidance”, pois se não o fizer os comportamentos assimétricos no mercado financeiro deverão se acentuar, e a inflação, o câmbio, o juro e a Bovespa, enfim a economia, repercutirão as consequências danosas, e podem surgir sinais mais contundentes de dificuldades com a rolagem da Dívida Pública.