Por Paula Chimenti e Thiago Felippe Ribeiro*
Antes mesmo da invenção dos computadores, o filósofo e cientista Descartes já questionava se máquinas poderiam pensar. Na primeira metade do século XX, avanços significativos em computação e matemática abriram caminho para a noção de que máquinas poderiam, eventualmente, alcançar um nível de inteligência comparável ao humano. O matemático Alan Turing, retratado no filme "O Jogo da Imitação", propôs o que é hoje conhecido como Teste de Turing para avaliar se uma máquina pode exibir, ou pelo menos imitar, uma inteligência indistinguível da humana. Essa ideia foi amplamente discutida no século passado por filósofos e cientistas, embora de forma teórica, pois a IA ainda não fazia parte do dia a dia das pessoas de maneira consciente.
Avançamos para 2022 e a OpenAI, empresa até então pouco conhecida pelo grande público, lançou o ChatGPT. Em apenas cinco dias, atingiu um milhão de usuários, marcando a adoção digital mais rápida da história até então. Atualmente, milhares de pessoas utilizam essa ferramenta diariamente em suas vidas pessoais, acadêmicas e profissionais. E esse é apenas o começo do que a tecnologia poderá nos proporcionar, uma vez que um levantamento recente da universidade de Stanford mapeou que além dos modelos de processamento de linguagem natural que utilizamos, rápidos avanços estão sendo feitos em áreas como raciocínio visual e soluções de problemas matemáticos, que em breve poderão alcançar e ultrapassar o benchmark da inteligência humana.
Sam Altman, cofundador e CEO da OpenAI, destacou no início deste ano em Davos, Suíça, a necessidade de avanços tecnológicos nas matrizes energéticas, uma vez que esses modelos de IA demandarão muito mais energia do que se prevê. O treinamento desses modelos é um processo intensivo tanto em energia quanto em tecnologia, o que tem causado escassez de GPUs (Unidades de Processamento Gráfico) no mercado global e um aumento significativo na valorização de empresas como a NVIDIA, líder neste segmento.
Um estudo recente da Hugging Face, uma empresa franco-americana conhecida por suas bibliotecas de redes neurais para processamento de linguagem natural, e da Universidade Carnegie Mellon estima que não apenas o treinamento, mas também o uso dos modelos de IA são intensivos em energia. Por exemplo, os modelos mais eficientes de geração de texto consomem cerca de 16% de uma bateria padrão de smartphone a cada mil usos, enquanto alguns modelos de geração de imagens podem consumir aproximadamente uma carga completa por geração. Embora o treinamento desses modelos consuma muito mais energia do que a sua utilização, a frequência de uso é significativamente maior do que a de treinamento. Portanto, ambos os processos podem resultar em emissões de CO2, variando conforme a fonte de energia que alimenta esses data centers.
Portanto, se a motivação intrínseca para uma transição energética global já era forte em setores como geração de energia, mobilidade, alimentação e indústria, agora é essencial considerar também as tecnologias digitais. Atualmente, os data centers ao redor do mundo consomem quase 2% de toda a eletricidade global e a Agência Internacional de Energia (IEA) estima que esse consumo possa dobrar até 2026. Não é por acaso que as principais empresas de tecnologia estão buscando alternativas para descarbonizar suas operações, através de investimentos diretos ou indiretos em projetos de energias renováveis.
Neste sentido, na última quarta-feira (01/05/2024), a Microsoft (NASDAQ:MSFT) assinou um acordo com a Brookfield Asset Management (TSX:BAM) para investir mais de US$ 10 bilhões no desenvolvimento de capacidade de energia renovável para atender à crescente demanda por inteligência artificial e data centers. Pelo acordo, a Brookfield fornecerá 10,5 gigawatts de energia renovável para a Microsoft entre 2026 e 2030 nos EUA e Europa. As empresas descreveram o acordo como o maior acordo único de compra de eletricidade assinado entre dois parceiros corporativos.
Além do alto custo, essa situação também representa uma grande oportunidade. Por exemplo, a IA tem sido utilizada para desenvolver novas tecnologias que podem revolucionar a educação, a saúde e os sistemas energéticos. Recentemente, a Microsoft, em parceria com o Laboratório Nacional do Noroeste Pacífico do Departamento de Energia dos EUA (PNNL), usou IA para digitalmente analisar mais de 32 milhões de materiais e sintetizar um novo composto que pode ser a base para as futuras baterias de estado sólido. Este é apenas o início da revolução que a IA pode promover.
*Thiago Felippe Ribeiro é executivo do setor de energia, doutorando do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação do COPPEAD/UFRJ e professor do Alumni COPPEAD