Na última coluna, discuti os motivos comportamentais para a existência de um hard fork no Bitcoin Cash. Esse criptoativo, gerado como um hard fork do próprio Bitcoin, possui como maior distinção uma solução clara para o problema da escalabilidade: simplesmente aumentar o tamanho dos blocos. Dessa maneira, o Bitcoin Cash poderia comportar um número maior de transações em sua blockchain; o Bitcoin “classic” prossegue com um tamanho limitado, porém adotando tecnologias como a SegWit, para comprimir as transações dentro de um mesmo bloco, e a Lightning Network, que visa permitir operações fora da blockchain.
O Bitcoin Cash foi abraçado por Craig Wright - um dos principais temas da última coluna - por ser mais condizente com a visão original do que seria o Bitcoin. Esse foi um espírito que parecia permanecer por algum tempo, porém com o novo Hard Fork proposto pela ABC - maior client do fork - a questão ficou algo mais crítica. Há duas inovações que são vistas com reservas quando se trata de manter esse espírito: a criação de novas possibilidades de scripting (opcodes) e o maior foco desejado em interoperabilidade nas criptomoedas.
Algo que não é muito alardeada é a capacidade de blockchains em geral serem capazes de realizar algumas operações de programação, não sendo esse um atributo único do Ethereum. A grande diferença do Ethereum são suas maiores capacidades de criação de aplicativos elaborados; entretanto, o Bitcoin e o Bitcoin Cash possuem algumas possibilidades de scripting simples. No fork proposto pelo client ABC, alguns opcodes não previstos por Satoshi Nakamoto estarão a caminho e não há consenso sobre a desejabilidade desse rumo.
A Bitcoin ABC trilha um rumo que efetivamente é distante do planejado originalmente para o Bitcoin. Apesar do Bitcoin ser um meio de pagamentos peer-to-peer, ele também se configurava como uma tecnologia seguindo o “princípio da imutabilidade”. Esse princípio visa não mudar radicalmente código e similares para manter maior compatibilidade ao longo do tempo; mais importante: o princípio procura tornar a tecnologia menos afetada por riscos de bugs criados por atualizações ousadas. Isso favorece a consolidação do criptoativo como reserva de valor e aumenta a confiabilidade em aplicações sensíveis, como a transferência de montantes financeiros consideráveis.
Os opcodes do Bitcoin Cash na versão ABC são um avanço no que diz respeito a algumas tendências interessantes nas criptomoedas. A interoperabilidade entre blockchains - atomic swaps - permite que ativos de diferentes blockchains sejam trocados diretamente. Com a atual direção tomada, eventualmente será possível conferir dados de outras blockchains e criar contratos simples relativos a eles. O Bitcoin Cash, nessa versão, teria essa dianteira. Contudo, vale notar que é uma modificação relativamente arriscada tecnologicamente para ganhos não muito claros para muitos analistas. Quais os benefícios viriam da interoperabilidade? Ainda é cedo para responder e cabe um texto futuro sobre isso, porém por agora não é insensato afirmar que não há resposta fácil.
Nem tudo são rosas para quem se recusa a seguir esse Hard Fork. O client Bitcoin Satoshi’s Vision, a ser lançado por Craig Wright, aumentará o tamanho do bloco consideravelmente, de 32MB para 128MB. Isso, apesar de bem mais seguro e viável a longo prazo, também não é de todo inquestionável. As transações do Bitcoin Cash atualmente já contam com baixas taxas e tempo aceitável, então por que aumentar o bloco? Não acredito que vá haver grandes mudanças na estrutura da mineração - Joannes Vermorel mostrou que o tamanho do bloco não afeta tanto players que já investem em ASICs e fazendas de mineração - porém é uma mudança desnecessária quando poderia haver coesão com o resto da comunidade Bitcoin Cash que rejeita as mudanças da ABC, como os clients Bitcoin Classic e Bitcoin Unlimited.
Pode-se perceber pelo teor desse texto que não vejo muito bem os atuais forks do Bitcoin Cash. Ainda há questões a serem esclarecidas sobre o potencial da interoperabilidade, uma tendência que vejo com bons olhos, quanto ao que ela se reflete em uso da rede ou em valor de mercado; nesse caso a proposta da Bitcoin ABC se torna arriscada em demasiado, ainda mais nessa época de mercado já bearish. O tamanho de bloco da Satoshi’s Vision é desnecessária justamente pelo bear market, que puxa o volume de transação para baixo com o menor interesse por criptoativos. Não sou contrário a nenhuma das inovações em si, porém não creio que seja tempo e, conforme todos que acompanhamos esse mercado sabemos, timing é quase tudo no mercado de criptomoedas.