Por Carlos Ragazzo e Bruna Cataldo
Ao longo de 2021, em especial no início do segundo semestre, o mundo viu inúmeros governos anunciarem medidas voltadas para a regulação do mercado de criptomoedas: EUA, Austrália, Índia, China, Brasil, El Salvador e outros fizeram anúncios que repercutiram fortemente nas mídias locais e internacionais. Claramente, é possível dizer que houve uma mudança de percepção dos reguladores quanto as criptomoedas, inicialmente consideradas um mercado de nicho, sem necessidade de supervisão regulatória, muito em função do crescimento na adesão dos indivíduos, valor de mercado e diversificação de funcionalidades desses ativos.
Mas, ao contrário de outros movimentos regulatórios, como, por exemplo, o Open Banking (ou Open Finance) e também os pagamentos instantâneos, como o Pix, não há uma tendência regulatória clara com diversos países seguindo uma mesma direção geral para a regulação de criptoativos. A única certeza é que, com abordagens que vão desde projetos legislativos para criação de marcos regulatórios estruturados até a proibição completa, as movimentações dos governos das principais economias do mundo têm deixado claro que as criptomoedas não vão mais conseguir operar às margens da estrutura regulatória do sistema financeiro internacional.
Países como Índia e Austrália tiveram debates ativos ao longo de todo o ano e parecem estar em posições bastante diferentes no tema. A Austrália mostrou um discurso bastante favorável ao mercado, sugerindo que um marco regulatório adequado poderia tornar o setor uma fonte de manutenção de empregos qualificados no país, sinalizando que Singapura seria um benchmarking interessante a ser estudado. Já a Índia teve uma postura bastante reativa: começou o ano com proposta de proibição equivalente à promovida pela China recentemente e chegou a setembro tendo diminuído o tom proibicionista, mas ainda reticente. Ainda assim, objetivamente, só é possível afirmar que seus projetos estão sendo avaliados pelo legislativo e, portanto, estão em estágios intermediários de desenvolvimento.
Isso é relevante porque, diferente de outros setores, a regulação dos criptoativos não tem sido construída em etapas bem definidas com princípios comuns: não há um ciclo de raciocínio previsível que facilite a identificação de novas etapas. Há países que iniciam o debate com mentalidade proibitiva e de alguma forma flexibilizam o tratamento e outros que vão tomando postura mais restritiva na medida que eventos específicos demandam ação mais forte. Esse comportamento indica que, enquanto marcos regulatórios não são aprovados e implementados, não há garantia de que o discurso do momento se manterá em uma trajetória linear.
O lado ruim dessa incerteza regulatória é conhecido. A harmonização da legislação financeira é um objetivo perseguido por autoridades internacionais, como, por exemplo, o Bank for International Settlements – BIS, como forma de reduzir custos de transação e de garantir maior estabilidade financeira, tanto no âmbito doméstico, como no internacional. Assim, quando existem iniciativas regulatórias não alinhadas, normalmente se espera, como resultado, o aumento de custos para empresas devido à necessidade de conformidade a essas múltiplas abordagens e perda de mercados de atuação como resultado de proibições, dentre outros.
Apesar disso, a reação de agentes do mercado tem sido positiva, com as maiores empresas inclusive participando ativamente das discussões com o intuito de conseguir que o resultado iniba as más práticas que afastam potenciais usuários 一 buscando em particular maior controle de esquemas e fraudes 一 garantindo ao mesmo tempo a permanência da liberdade para inovar e desenvolver o mercado. Isso tem sido verificado especialmente na Austrália e na Índia, países em que agentes do mercado têm sido bastante vocais na construção das legislações.
E o Brasil, onde se enquadra nesse fenômeno?
No Brasil, apesar de medidas pontuais do Banco Central e Receita Federal e apresentação de projetos de Lei desde 2015, só em 2021 a discussão realmente avançou. Em abril, três projetos em andamento foram unificados e a CVM e o Banco Central passaram a coordenar esforços para construir um marco regulatório. O primeiro foco de ambos têm sido o anonimato: a legislação caminhará no sentido de garantir identificação de ponta a ponta. Também indicaram que vão buscar uma regulação menos focada em categorizações e mais na compreensão de criptoativos como parte de um ecossistema da economia baseada em dados, que é inerentemente veloz e precisa de uma legislação adaptável. Espera-se que as primeiras iniciativas devam focar nas atividades de investimento, devido a maior representatividade no país.
A postura brasileira se mostra, portanto, cautelosa e preocupada com o desenvolvimento do mercado. É um debate regulatório que pode ser considerado intermediário: tem alguma clareza sobre os objetivos e cooperação coordenada entre agentes, mas não há algo concreto de fato para que as empresas possam basear tomadas de decisão. A postura, no entanto, tem levado os representantes das empresas a reagir positivamente apesar de apontarem alguns desafios.
Em particular, têm destacado a preocupação com a necessidade de garantias regulatórias contra a prática de ilícitos (preocupações tradicionais com lavagem de dinheiro) e destacado que a segurança promovida pela regulação seria um motor para o crescimento do mercado ao minimizar uma das principais fontes de resistência à adesão. Também veem com bons olhos a discussão que tem ocorrido sobre a possibilidade de gestoras poderem comprar e custodiar os ativos no país, apesar de demonstrarem preocupação com a definição da classificação jurídica
Está evidente que é uma questão de tempo até que regras sejam impostas ao mercado de criptoativos e empresas tenham que se adaptar; justamente por isso muitas têm optado por participar dos debates ao invés de combatê-lo. A razão para isso é simples: existem escolhas diametralmente opostas a serem tomadas, entre a proibição de criptomoedas, caso da China, e a construção de um marco regulatório que fomente a utilização e desenvolvimento de negócios com base nesses ativos, o que se vê, por exemplo, em Singapura e no Japão.
Carlos Ragazzo é Professor da FGV DIREITO RIO, Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Propague.
Bruna Cataldo é Pesquisadora Sênior do Instituto Propague e doutoranda em economia na UFF