Uma hipótese comumente discutida no mercado diz que, em momentos ruins da bolsa, agimos de forma pessimista, acima do que deveríamos. Da mesma maneira, notícias positivas tendem a ser hipervalorizadas pelo mercado. Esses aspectos comportamentais são conhecidos na literatura como efeito “overreaction”, ou seja, uma reação exagerada (em tradução livre).
De acordo com a definição padrão, overreaction é uma resposta emocional (comportamental) a uma nova informação. Em finanças e investimentos, trata-se da resposta emocional ao efeito da nova informação no preço da ação (ou outro investimento qualquer), o que é motivado por medo ou ganância excessiva. Investidores, ao cometerem overreaction, fazem com que o preço da ação caia ou suba demasiadamente, até que retorne aos seus valores mais justos com o tempo.
Se você concorda que o efeito de overreaction ocorre na bolsa brasileira, a pergunta que vem a cabeça é natural: será que podemos montar uma estratégia para se beneficiar desse efeito comportamental? Em outras palavras: supondo que identificamos um comportamento que foge à teoria racional de preços, podemos nos beneficiar e ganhar dinheiro comprando em momentos de pessimismo e vendendo em momentos de otimismo exagerado?
Note que não é simples traduzir uma tese de investimento em uma estratégia de investimento, pois vários desafios se revelam e, por esse motivo, é necessária muita pesquisa para tornar a estratégia robusta e consistente. É exatamente isso que venho fazendo há algum tempo: pesquisando bastante este assunto.
Não quero me alongar demais, mas apenas para ilustrar, eis algumas perguntas que não são simples de serem respondidas e que demandam muita análise: quando devo acionar o gatilho de compra (ou venda) de um ativo que caiu (ou subiu) seu preço acima do normal? Por quanto tempo devo aguardar até que “o preço justo” se realize? Se o mercado andar contra minha tese, devo aumentar minha aposta porque a oportunidade aumentou ou devo aceitar que perdi e desfazer a operação?
Dividirei com vocês uma estratégia baseada na hipótese de que tal efeito existe. Começarei com R$ 100,00 no início de 2011 e poderei investir esse montante no Ibovespa, no CDI e na estratégia que explico a seguir. Ela se baseará na compra e venda do principal índice da B3 (SA:B3SA3): o Ibovespa. De maneira prática, há algumas maneiras diferentes para implementar esta estratégia e talvez a mais simples de todas seja via o índice futuro do Ibovespa. A estratégia é ativa, tomando uma decisão diária de compra ou venda do Ibovespa bem como quanto comprar ou vender (ou muitas vezes, nada fazer). E essa decisão é sempre tomada no fechamento do pregão.
O início da estratégia se dá com um gatilho para comprar (ou vender) quando o Ibovespa fechar em queda de pelo menos 1,6% (para entrar comprando) ou em alta de no mínimo 1,6% (para entrar vendendo). O valor de 1,6% corresponde ao desvio-padrão dos retornos diários históricos do Ibovespa. Em outras palavras: se o retorno do Ibovespa em determinado dia no fechamento for, em valor absoluto, maior ou igual a um desvio-padrão histórico, eu entro no jogo; caso contrário, nada faço. Observe que a estratégia é perfeitamente factível por, principalmente, três razões: (i) trata-se de uma única operação por dia; (ii) o Ibovespa futuro negocia no after-market, ou seja, após o fechamento do Ibovespa; e (iii) o Ibovespa futuro pode ser vendido a descoberto por pessoas físicas no próprio home-broker e sem necessidade de aluguel (como é o caso com ações).
Mas duas perguntas se fazem necessárias aqui: vamos a elas!
(1) Quanto devo comprar (ou vender)?
Resposta: 40% do montante (patrimônio) que você disponibilizou para essa estratégia. Note que o restante deverá ser investido no CDI ou no Tesouro Selic (na verdade, como você está negociando futuros, todo seu montante disponibilizado deve estar na taxa livre de risco, servindo de garantia para as operações com futuros de Ibovespa, de forma que você não precisará ficar ajustando esta posição).
(2) E no dia seguinte, o que faço?
Se já no dia seguinte, no preço de fechamento, a posição do dia anterior der lucro, você realiza este lucro (seja ele qual for) e reinicia a estratégia com 40% do seu patrimônio atual, verificando se o gatilho de 1,6% foi acionado (para cima ou para baixo). Por outro lado, se no dia seguinte houver perdas, dobro minha aposta do dia anterior, seguindo a tese de que o mercado ainda está irracional. Eu dobrarei minha aposta no máximo por cinco dias consecutivos: se ao longo do caminho, a estratégia virar e me der um ganho, desfaço minha operação e volto ao início. Caso minha posição perca dinheiro por cinco dias consecutivos, admito que perdi e desfaço a posição (voltando ao início da estratégia com, como sempre, 40% do patrimônio). De maneira realista, temos limitações impostas por necessidade de garantias para seguir dobrando a aposta: por esse motivo, inicia-se com 40% apenas. Além disso, considerei um teto para exposição nos futuros de Ibovespa igual a duas vezes o montante total disponibilizado para a estratégia (note que tal hipótese é bastante conservadora, pois atualmente a B3 opera com um limite acima de duas vezes).
Agora que a estratégia está definida, vamos aos resultados. A tabela abaixo apresenta a rentabilidade média anual obtida desde 2011, bem como sua volatilidade. Para efeito de comparação, apresento igualmente os resultados para o CDI e para o Ibovespa.
Nota-se que a estratégia se mostrou interessante, com um retorno bem acima do Ibovespa, mas com volatilidade reduzida. Abaixo, apresento a evolução patrimonial de R$ 100,00 de acordo com cada um dos três tipos de investimento:
Pelo gráfico, percebemos que a estratégia parece capturar adequadamente o efeito comportamental de overreaction. No início, enquanto o Ibovespa opera abaixo do CDI, a estratégia se beneficia do efeito e opera acima do CDI. Já na recente crise devido à pandemia, a estratégia sofreu uma queda bem menor que a queda do Ibovespa e ainda se recuperou mais rapidamente. A tabela abaixo mostra os resultados apenas considerando o ano de 2020 (até 17 de agosto) - muitos investidores acreditam que é na crise que aprendemos se uma estratégia é boa ou não:
Os resultados soam promissores e parecem validar o efeito de overreaction. A estratégia, a meu ver, caberia bem em um fundo multimercado, tendo em vista que se trata de uma posição carregada no CDI, com viés de rentabilidade superior sob volatilidade bem abaixo do mercado de ações. Espero que tenham gostado!
Forte abraço a todos.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.