A semana passada não foi nada positiva para Bolsonaro e, certamente, para o país. O governo esteve sempre pressionado para adotar novo discurso sobre como lidar com a pandemia, mas o presidente sempre volta ao tema de ser contra a ciência e fazer fé em seus credos de ser contra a vacinação, o uso de máscara, contra o isolamento e necessidade de lockdown; e ainda sendo acusado de fazer corpo mole com relação a comprar vacinas para imunizar a população.
Resultado disso é que já estamos no quarto ministro da Saúde (ainda sem assumir em plena pandemia), vacina precária num país que tinha essa expertise (vacinamos pouco mais de 5% da população), segundo colocado no ranking mundial de óbitos (passamos a Índia) e, nesse ritmo, vamos passar também o primeiro do ranking, os EUA, que atingiu a meta de vacinar 100 milhões bem antes do prazo de 100 dias dado por Biden. Deixamos de entrar na fila para receber vacinas dos EUA, com Canadá e México já recebendo, falta oxigênio em hospitais, enfermarias lotadas (vários estados já acima de 90% de lotação e outros passando de 100%), e nem sequer temos kits para intubação de pacientes considerados graves.
Viramos os "párias da covid-19" aos olhos do mundo, hoje somos reconhecidos como maior risco global para a covid-19. Numa situação como essa, inevitável seria a sociedade se movimentar. Desde a semana passada, vários estados e municípios iniciaram novos programas de isolamento social, como Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, DF e a cidade do Rio de Janeiro. Isso acendeu a sanha de Bolsonaro, que vociferou que “não colocaria seu exército nas ruas, para cumprir decretos de governadores e prefeitos”. Isso, além de aparecer sem máscara em público.
Bolsonaro chegou a insinuar a adoção de estado de sítio, no que foi interpelado pelo ministro Fux do STF, após ter encaminhado ao STF contra decisões de governadores e prefeitos de fechamento. Claro que essa polarização agravou ainda mais a situação, com cobranças dos entes federativos de mais ação, explicitada pelos presidentes da Câmara e do Senado. Aparentemente, a “Lua de Mel” com o centrão está terminando, o que torna tudo mais complicado pela fragmentação da base de apoio do governo para acelerar e produzir reformas estruturantes.
Para complicar um pouco mais a situação do presidente, durante o último final de semana, foi lançada uma carta aberta à população por ex-ministros, ex-dirigentes do Banco Central, banqueiros e muitos economistas formadores de opinião; criticando a postura do governo e exigindo medidas que vão desde o uso corrente de máscaras até medidas de isolamento e ações do ministério da Saúde, ainda sem titular.
Para ficarmos próximos da verdade, parece que agora teremos mais vacinas, em que pese o atraso do imunizante AstraZeneca (LON:AZN) (SA:A1ZN34) que viriam da Índia. Foi notícia que o governo fechou contrato de fornecimento com a Pfizer (NYSE:PFE) (SA:PFIZ34) e Jansen para 138 milhões de doses, além de ter liberado estoques que seriam da segunda dose dos já vacinados, o que acaba trazendo risco de não haver vacinas suficientes e no prazo para quem deve tomar a segunda dose.
O ex-presidente Temer, que tem funcionado como um conselheiro informal de Bolsonaro, disse que, se fosse ele, pediria desculpas para a sociedade pelos erros e omissões e estenderia a mão para uma trégua com os demais poderes em prol da nação. Mas será que Bolsonaro teria essa humildade? Respondendo: pelo passado histórico, não. A ala militar de seu governo meio que submergiu nesse período mais crítico que agrega a queda de popularidade em todas as pesquisas, o que também não é bom sinal.
Ao longo da semana e final de semana, apesar de Bolsonaro não ter mudado seu discurso e dizer para apoiadores que “só Deus tiraria ele do governo”, alguns ministros e executivos saíram em campo para defender a vacinação, com Paulo Guedes chegando a dizer que a imunização era a melhor política fiscal para o momento, enquanto outras desandavam a falar sobre privatizações, reformas e recuperação econômica. Mas todos sabemos que esse não é o melhor ambiente para reformas.
É preciso fazer um pacto de convivência e apoio para tentar domar a pandemia e preparar ajustes. Não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que estamos melhores. É preciso colocar todos em sintonia: os três poderes, os demais entes da federação e, principalmente, a população que está exaurida e com muito medo, já que estamos bem próximos de 300 mil óbitos.