GOL (SA:GOLL4) e Smiles (SA:SMLS3) anunciaram, ontem, um acordo no mínimo singular.
O caminhãozinho do programa de fidelidade reabasteceu o caixa da aérea com 1,2 bilhão de reais. O pagamento dar-se-á pela compra de passagens, com desconto médio de 11 por cento em relação aos preços firmados entre as Companhias na virada do ano. Esse desconto vigora até o final de 2020; após, até junho de 2023, a aérea garantirá a venda de um percentual de passagens com tarifas promocionais à Smiles. O saldo do adiantamento terá remuneração de 115 por cento do CDI (que dá uns 3,5 por cento ao ano).
Acordo comercial mutuamente vantajoso? Vejamos.
Na virada de 2019 para 2020, a Gol anunciou um reajuste draconiano dos preços e condições sob os quais venderia passagens ao programa de fidelidade — à época, a principal justificativa era que a indústria vivia um momento de altíssimas taxas de ocupação em função i) do desaparecimento da Avianca Brasil e ii) da retração de oferta de assentos em razão do 737Max.
Os preços de compra e venda de passagens praticados por Gol e Smiles não são de conhecimento do acionista minoritário. As condições são avaliadas por um comitê independente e that’s all — olhando de fora, é simplesmente impossível saber se as condições anunciadas estão sendo seguidas à risca. Ademais, não há visibilidade sobre o montante e o desconto aos quais estarão sujeitas as passagens adquiridas entre 2021 e 2023: i) o percentual e o desconto não foram anunciados; e ii) os critérios e condições de possíveis novos reajustes contratuais de 2020, 2021 e 2022 não são conhecidos.
A gestão da Smiles afirma que a operação gerará um ganho econômico da ordem de 80 milhões de reais. Cabe ao minoritário acreditar, pois avaliar friamente não dá. Mas assumindo que seja isso mesmo, pergunto… será que o ganho vale o risco? Emprestar 1,2 bi para uma aérea em troca de 80 milhões?
Mas calma. Ainda não terminei.
Eu estive no último Smiles Day, no final de 2019. À época, o discurso do então management da Smiles era de que a indústria de fidelidade estava mudando (para pior, entendi eu) e inovação e investimentos far-se-iam necessários. Para bom entendedor, isto requer dinheiro.
Pois bem: o valor da operação, de 1,2 bilhão, corresponde a praticamente à totalidade do caixa reportado pela Smiles em março. Que tal?
Aqui! Pega TODO o meu caixa!
Negócio assim, nem entre pai e filho. Ah! Esqueci de mencionar: a Gol é detentora de 52 por cento da Smiles e, em razão de operações anteriores de adiantamento, o programa de fidelidade já detinha créditos superiores a 1 bilhão de reais contra a aérea. Para bom leitor, pingo é letra.
Para a aérea, é um negócio da China: duvido que a Gol capte recursos a 115 por cento do CDI onde quer que seja neste momento — tanto em razão do mercado de crédito estressado quanto, especialmente, das preocupações que circundam o negócio de transporte aéreo. Vale lembrar que as Empresas aguardam um pacote de socorro arquitetado por bancos privados e BNDES. Ademais, a obrigação é de pagamento em passagens — cujo poder de barganha na precificação é, demonstradamente, seu e não do credor.
Para a Smiles, por sua vez… mãos para o alto, novinha. E o minoritário de Smiles? Fica caladinho.