Primeiro, eles provocaram a queda do petróleo. Em breve, podem fazer o mesmo com o ouro.
Cada vez mais investidores começam a se dar conta da capacidade geralmente subestimada da Rússia de influenciar a economia mundial. Os preços do petróleo atingiram as mínimas de 18 anos principalmente porque Moscou não aceitou seguir as regras do jogo da Arábia Saudita em relação aos cortes de produção.
Embora seja possível defender que o pior colapso de demanda da história do petróleo se deva mais à pandemia de coronavírus e ao inoportuno aumento de produção de Riad do que propriamente à saída da Rússia do pacto Opep+, o Kremlin agora interrompeu todas as compras de lingotes de ouro, dando aos investidores a chance de descobrir toda a sua influência nos preços do metal amarelo.
Depois de elevar suas posses de lingotes em mais de US$ 40 bilhões nos últimos cinco anos, a Rússia parou de acumular ouro, muito provavelmente por causa da pressão que os preços baixos do petróleo estão exercendo sobre seu orçamento.
A Bloomberg, que divulgou essa notícia na terça-feira (31), declarou que a decisão foi anunciada pelo banco central da Rússia, com vigor a partir de hoje, 1 de abril, embora não tenha havido qualquer explicação para essa iniciativa. Analistas tentaram preencher o vácuo, dizendo que a Rússia já possui muito ouro guardado em suas reservas e provavelmente não precisa de mais.
Da compra desenfreada à interrupção repentina
A Bloomberg disse ainda que a compra desenfreada de ouro pela Rússia nos últimos anos foi um importante pilar de sustentação do mercado, colocando um piso sob os preços enquanto os investidores se desfaziam de “portos seguros” e compravam ativos mais arriscados e com maior rendimento. O periódico afirmou que os estoques de lingotes detidos pelo banco Rossii, como é chamado o banco central em Moscou, estariam avaliados em cerca de US$ 120 bilhões, pesando cerca de 75 milhões de onças ao preço atual de mercado, de quase US$ 1.600 por onça.
O banco central da China, que geralmente é considerado pelo noticiário o maior comprador de ouro do mundo, detinha 62,64 milhões de onças em suas reservas há seis meses. Assumindo que ambas as reportagens são verdadeiras e que o Banco Popular da China adquiriu mais lingotes antes do início da pandemia de Covid-19, sem liquidar muito do seu estoque, seria possível dizer que os dois bancos centrais provavelmente detêm a mesma quantidade de ouro.
A questão é a seguinte: e se ambos começarem a vender uma boa porção desse ouro nos próximos meses para fazer frente à recessão global prevista pela pandemia? Embora o déficit fiscal da Rússia como proporção do PIB de 2020 seja estimado em torno de 1,5%, contra 3,5% da China, a economia de Moscou é mais dependente de petróleo do que a economia extraordinariamente diversificada de Pequim. Em suma, não é necessário muito esforço para perceber qual banco central vai vender mais ouro.
Até agora, a decisão da Rússia de interromper as compras de lingotes não impactou muito os preços do ouro, que ganharam um empurrão a mais nos últimos tempos dias depois que o Goldman Sachs, voz mais influente em Wall Street quando o assunto é commodities, declarou que o ouro é atualmente a “última salvação”.
No último dia de negociações de março, o ouro spot, que acompanha as transações em lingotes, encerrou o pregão com uma queda de quase US$ 52, ou 3,2%, a US$ 1.571,31.
Os futuros do ouro na Comex de Nova York fecharam em queda de US$ 46,6, ou 2,9%, a US$ 1.596,60 por onça.
Ouro ainda está em alta por seis trimestres consecutivos
No mês, o lingote se desvalorizou quase 1%, mas, no trimestre, saltou 5%, selando sua sexta vitória trimestral seguida. Os futuros do ouro se valorizaram 2% em março e cerca de 5% no trimestre.
O sentimento altista no ouro pode representar a calmaria antes da tempestade que atingirá aqueles que acham que o ouro pode se manter no atual patamar de US$ 1.500 a US$ 1.600.
“O recuo da Rússia no ouro é um fato importante”, declarou Michael Norman, ex-operador do Credit Suisse, veterano no mercado de ouro e fundador da Mike Norman Economics, com sede em Nova York. “Sem dúvida é necessária uma correção bastante significativa no preço do ouro para descontar a saída de mercado de um dos maiores compradores do mundo.”
Norman declarou que encerrou suas posições em ouro antes da aceleração das vendas na terça-feira, que fizeram tanto o lingote quanto os futuros perderem o patamar de US$ 1.600. O analista espera um deslize mais profundo daqui para frente.
“Realmente acredito que vamos ver um novo teste do nível de US$ 1.450”, afirmou. “Na verdade, acho que podemos ver o ouro atingindo cotações de US$ 1.300 ou quem sabe até US$ 1.370-US$ 1.380.”
A Bloomberg também fez alusão a uma provável queda nos preços do ouro em seu artigo de terça-feira sobre a saída da Rússia do mercado.
Com o mercado não muito longe da máxima de sete anos a U$ 1.700 no início de março, os operadores russos provavelmente não viam a hora de começar a vender, observou o periódico. Apesar da sua forte valorização trimestral, o ouro vem atuando mais como um ativo de risco do que como um porto seguro ultimamente, ao despencar enquanto os investidores liquidavam suas posses do metal amarelo para levantar caixa para operações de margem e perdas nas ações e outros ativos.
Há demanda para as reservas de ouro da Rússia; preços são discutíveis
“O banco central está agora sinalizando que os vendedores de ouro deveriam redirecionar suas ofertas para o exterior”, declarou Dmitry Dolgin, economista-chefe do ING Bank na Rússia, em entrevista à Bloomberg. “A demanda mundial parece estar em alta”.
Embora a demanda existente facilite a tarefa do Banco Rossii de encontrar compradores para suas barras de ouro, o banco central russo ainda deve priorizar a conveniência ao preço para financiar o pressionado orçamento de Moscou, ou seja, pode ser que suas vendas não necessariamente afetem o mercado.
Um fator que pode favorecer o ouro é o movimento de curto prazo do Federal Reserve, na terça-feira (31), de estabelecer um instrumento temporário de recompras destinado a autoridades monetárias estrangeiras, o que inundará os mercados de crédito com mais dólares. Uma oferta maior de dólares é positiva para o ouro, que tem correlação negativa com a moeda americana.
“Vimos o Índice Dólar cair de quase 103 para 98 ontem, depois do anúncio do Fed”, declarou Norman. “Teremos que ver se essa medida fará com que o dólar caia mais e o ouro suba”.
Jeffrey Halley, analista da plataforma de negociações online OANDA, afirmou que US$ 1450 pareciam ser um suporte interino para o {0|ouro}}.
“A manutenção de qualquer rali acima de US$ 1.650 é muito difícil”, declarou Halley. “Trata-se de uma faixa de preços ampla, mas real, em vista do momento que estamos vivendo”.
Os russos podem nos mostrar, nos próximos meses, qual será a faixa de preços do ouro.
Aviso de isenção: Barani Krishnan não possui posições nos ativos sobre os quais escreve.