Sempre fui desconfiado com essa euforia das empresas fazendo IPOs durante a pandemia, quando os juros estavam baixos. Era possível encontrar no mercado ótimos discursos e promessas de crescimento futuro em empresas techs ou startups, mas nem sempre com os fundamentos necessários para sobreviver aos solavancos da bolsa de valores.
A maioria ficou no vermelho desde então, mas há quem esteja indo mais longe, na tentativa de amenizar os erros e se travestir de “justos” no mercado, quando na verdade o acionista minoritário corre o risco de que lhe passem a perna de novo.
Nestas linhas, eu vou lhe explicar porque a redução de capital da plataforma de serviços GetNinjas (NINJ3 (BVMF:NINJ3)) não é tão simples quanto parece e por quais motivos os minoritários deveriam se opor a ela.
Quando uma companhia está “encolhendo” e tem recursos excedentes, ela opta por fazer uma redução do capital social, que é uma forma de retornar aos investidores aquele capital que não está encontrando uso dentro das atividades da empresa. Imagine, por exemplo, que uma empresa vendeu uma unidade de negócios e não tem projetos relevantes capazes de consumir produtivamente os recursos levantados. Provavelmente a empresa fará uma redução de capital para devolver este valor aos acionistas.
A operação de redução é simples: suponhamos que o capital social de uma empresa é 100, mas ela acredita que tem condições de operar com 50, então o patrimônio líquido será reduzido para 50 e esses 50 restantes serão distribuídos aos investidores.
Já me adianto em alertar que nem toda redução de capital é ruim. Temos exemplos positivos na Bolsa, dos quais o mais recente é a Vivo (VIVT3 (BVMF:VIVT3)), que recebeu aval da Anatel para fazer uma redução de até R$ 5 bilhões do seu capital social. Mas observe bem as características da Vivo: se trata de uma empresa com enorme geração de caixa, que atua em um setor onde até existem oportunidades de crescimento, mas estas não demandam tanto capital quanto o negócio gera. Uma companhia que, na forma de proventos, já retornou aos seus acionistas o seu valor muitas vezes.
Acho que nem preciso dizer que a situação de GetNinjas é completamente distinta, não é mesmo?
GetNinjas (NINJ3) chegou à Bolsa em maio de 2021, após levantar R$ 482 milhões na sua oferta pública – R$ 321 milhões foram para o caixa da empresa para investir em marketing, fusões e aquisições (M&A) e pessoas e R$ 160 milhões foram para o bolso dos que já eram acionistas antes do IPO.
Na época, a ação foi precificada a R$ 20. De lá para cá, quase 80% de queda.
Dois anos depois, nenhuma aquisição foi feita. Segundo o CEO, Eduardo L'Hotellier, os valuations pedidos eram incompatíveis com retornos sequer superiores à Selic. Os investimentos em marketing, por sua vez, chegaram a ser cortados em até 80% sob a justificativa que os custos estavam se elevando muito.
Se olhamos para a GetNinjas atual ela tem um patrimônio líquido de R$ 280 milhões e um valor de mercado de R$ 222 milhões. A dívida beira zero. E nestes dois anos, a empresa não fez aquisições, não fez investimentos em marketing como tinha prometido aos investidores e – sem lucros – nem sequer pagou dividendos.
Qual foi, então, o motivo então de fazer um IPO? Apenas engordar o caixa em um momento propício de mercado?
Eis que, quando deveria estar trabalhando para garantir um crescimento futuro, a direção da companhia praticamente desistiu e decidiu devolver quase todo o seu capital aos investidores, com uma redução de R$ 223 milhões, equivalente a R$ 4,40 por ação.
Em declarações à mídia, o CEO já manifestou que apenas R$ 60 milhões em caixa seriam suficientes para tocar o negócio e atingir o breakeven – isto é, sair do vermelho – em 2024.
Deixa eu desenhar: temos uma empresa que nem atingiu ainda seu ponto de equilíbrio e está devolvendo dinheiro aos acionistas.
Acontece que estamos falando de R$ 223 milhões, o que me leva a pensar que o IPO foi um erro grosseiro. Propor uma redução de capital, considerando que a empresa não mudou significativamente desde a oferta, implica duas coisas: ou nunca houve uma destinação real para os recursos, ou a empresa não teve capacidade de execução para promover tais destinações.
Sem contar que a GetNinjas não precisava queimar caixa agora e sim buscar novas frentes de negócio para garantir a sua continuidade de mercado. Neste caso, a redução de capital estaria matando qualquer possibilidade de crescimento do negócio, que atualmente já tem dificuldade de ficar no azul.