Com Elaine Palmer*
Em julho deste ano, realizamos uma pesquisa qualitativa com 35 executivos, de 35 organizações diferentes, a respeito de conflitos no ambiente corporativo. Os entrevistados se distribuíam entre diretores (as), conselheiros (as), gerentes, sócios (as), entre outros, e atuam nas áreas jurídica, compliance, comercial, financeira, marketing, pessoas e responsabilidade social, nos setores de serviços, varejo, indústria e educação.
Evidentemente que a amostra não é relevante para fins estatísticos, mas o nosso objetivo era tão somente qualitativo: entender as atitudes e condutas corporativas frente a conversas difíceis e conflitos no ambiente de trabalho para, a partir deste entendimento, construir propostas de valor que contribuam para o avanço do tema.
Não foi surpresa nenhuma que o resultado da pesquisa tenha sido o que observamos na nossa prática profissional: apenas 37% das pessoas indicaram que suas empresas possuem processos estruturados de gerenciamento de conflitos, sendo que, destas, 1/3 informou que há um mix entre processos estruturados e condução intuitiva dos conflitos internos. E, pasmem: nada menos do que 40% dos respondentes informaram que, nas suas empresas, conflitos são resolvidos apenas intuitivamente, com base em skills pessoais. E, os demais 23% informam uma mistura entre condução intuitiva com base em habilidades pessoais e algum outro método ou suporte de consultores externos. Em suma, por esta amostra, as empresas escolheram como método o “não método”, isto é, os conflitos são resolvidos com base na intuição e habilidades pessoais (ou falta de) dos colaboradores. Os dados revelam um cenário preocupante, uma vez que conflitos mal ou não gerenciados no ambiente de trabalho têm impactos relevantes no bem-estar das pessoas e times, e, consequentemente, na entrega dos resultados. Além disso, a escalada do conflito é quase inevitável quando intervenções adequadas não são colocadas em práticas em tempo hábil por profissionais capacitados.
Tratar conflitos intuitivamente é reflexo de uma cultura de evitamento que, no entanto, não consegue mitigar as suas repercussões negativas. Muito pelo contrário. A cultura do evitamento, de um lado, ou do confronto, de outro, pode conduzir a soluções erráticas, que não abordam as causas subjacentes da questão. Conflitos não tratados adequadamente tendem a se intensificar, comprometendo a comunicação e a colaboração entre equipes, além de afetar a moral e o engajamento. Também a opção por uma solução rápida e objetiva, preferida por muitos e muitas, reflete a visão de que o conflito é meramente um obstáculo a ser eliminado. Nada mais equivocado! Conflitos fornecem informações valiosas sobre pessoas, processos internos, dinâmicas de poder, riscos em projetos etc. Além de serem catalizadores de desenvolvimento e inovação, são excelentes indicadores para o top management e as lideranças em geral e, por isso, devem merecer tempo e atenção da organização.
Fato é que conflitos precisam ser gerenciados e a forma de fazê-lo é se preparar para lidar com eles, tal como nos preparamos para qualquer desafio profissional: estudando, aprendendo metodologias e habilidades específicas.
Do ponto de vista individual, significa desenvolver novas habilidades técnicas e interpessoais, de comunicação e gerenciamento de emoções, entre outros. Conflitos só se tornam conflitos porque estão enraizados em emoções e necessidades humanas. Logo, adquirir novos conhecimentos e habilidades em gerenciamento emocional e comunicação como: auto expressão e escuta autêntica, atenção e presença para um diálogo atencioso e construtivo, construção de solução em coparticipação, são apenas parte da jornada. Todo desenvolvimento em gestão de conflitos implica realizar práticas reflexivas na esfera do desenvolvimento humano. Abordagens que ajudam profissionais e equipes a identificarem e lidarem com as diferenças de pontos de vista podem fornecer uma mudança transformativa e duradoura nas relações interpessoais no trabalho e fora dele.
Do ponto de vista das lideranças, além da perspectiva individual, é preciso ir além: há que se desenvolver algumas competências em facilitação de conversas difíceis em geral e em mediação de conflitos em particular. E, claro, aprender a lidar com tensões nas equipes e com pares, além de promover um ambiente interno que favoreça e incentive o diálogo aberto. Líderes que gerenciam conflitos adequadamente funcionam como modelos para suas equipes e propagam cultura positiva, promovendo engajamento e alinhamento aos objetivos e significado do trabalho à luz da estratégia.
Já do ponto de vista organizacional, significa garantir que as práticas internas reflitam valores institucionais em relação a como a empresa deseja lidar com conflitos internos e externos. É, portanto, um trabalho que envolve uma tomada de decisão consciente e a disponibilização de estruturas adequadas e profissionais preparados para a cultura desejada florescer e frutificar. Dentre os recursos disponíveis, se encontram: formação de lideranças e RHs em habilidades para gerenciamento de conflitos, intervenção direta de mediadores internos e externos, protocolo de comunicação clara que facilite a identificação e o tratamento de conflitos, prática de monitoramento e de reconhecimento de avanços. Um programa bem estruturado de gerenciamento de conflitos é um cartão de visitas (para os que lembram do que se trata!) da empresa e demonstra o compromisso da organização em manter um ambiente saudável e colaborativo.
Os benefícios de uma boa governança na área de gerenciamento de conflitos são significativos e disruptivos. Colaboradores que se sentem ouvidos e respeitados são mais propensos a se comprometerem com a organização. A gestão eficaz de conflitos contribui para a construção de reputação institucional positiva, reduzindo níveis de absenteísmo, perda de talentos, custos com demissões, entre outros. Além disso, ao proporcionar um ambiente onde as conversas são tratadas de maneira construtiva, a organização pode impulsionar a inovação e a colaboração, pois as equipes se sentem seguras para expressar ideias e pontos de vista sem medo de represálias.
Organizações que investem na governança da gestão de conflitos estão mais preparadas para lidar com a complexidade do mundo atual, na medida em que fortalecem uma cultura organizacional inclusiva, resiliente, inovadora, e, consequentemente, mais adaptativa e sustentável no tempo.
*Advogada, Mediadora de Conflitos Organizacionais pela Concadora – Alemanha, pelo Instituto Mediare – Brasil, com curso de especialização no Programa de Mediação da Harvard Law School e em Polarity Thinking na Polarity Partnerships. Fundadora da Interseções, Consultoria de gerenciamento de conflitos pessoais e organizacionais