Nesta semana, dividirei com vocês os resultados do mais novo artigo acadêmico que escrevi com Marcelo Lewin, mestre e atual doutorando em Finanças sob minha orientação no Coppead-UFRJ. O trabalho foi publicado no mais recente número da Revista Brasileira de Finanças, editada pela Sociedade Brasileira de Finanças. Abaixo segue o resumo do artigo para que desde já você saiba sobre o que iremos falar:
O artigo sugere uma estratégia de gestão de carteira extremamente original e inovadora que desenvolvi em meu doutorado. Traçarei um paralelo aqui para facilitar o entendimento. Um dos modelos mais tradicionais (e simples) de gestão de carteiras é o de Markowitz, onde o investidor objetiva maximizar periodicamente seu retorno esperado de acordo com o risco ao qual deseja se expor. Na verdade, o que está por detrás deste modelo é a maximização da função quadrática de utilidade, que valoriza expectativas de retorno maiores e penaliza o risco assumido para tal.
O modelo que testamos no artigo traz duas evoluções à ideia de Markowitz. A primeira delas é a função de utilidade considerada (utilidade diferencial estocástica), que é muito mais avançada do que a usada no modelo de Markowitz. Já é ponto pacífico na literatura acadêmica que a função de utilidade quadrática possui sérias limitações que, naturalmente, afetam a performance de uma carteira assim construída. Não tenho conhecimento de nenhum gestor ou mesmo pesquisa acadêmica brasileira que utilize a função de utilidade diferencial estocástica para alocar recursos.
Já a segunda evolução é completamente inovadora em gestão de carteiras no Brasil e explicarei. Um modelo de gestão de carteiras, seja ele qual for, possui seus parâmetros que precisam ser estimados para que o modelo seja devidamente utilizado. Por exemplo, o modelo de Markowitz deve estimar retornos esperados, variâncias e correlações entre os ativos considerados. Mas o ponto central é que os modelos tradicionais trabalham como se a economia fosse regida por apenas um regime (e.g., Markowitz estima um retorno esperado e uma variância para cada ativo). Parece natural entendermos que a economia é regida por diferentes regimes que se intercalam com o passar do tempo. Se aplicado sob uma economia de múltiplos regimes, o modelo de Markowitz estimaria múltiplos retornos esperados, múltiplas variâncias e múltiplas correlações que se revezariam ao longo do tempo.
Ilustrarei com um exemplo simples a importância de se considerar múltiplos regimes. Imagine que você passe alguns dias em um hotel no deserto e utilize um modelo tradicional (isto é, de regime único) para prever a temperatura e acionar automaticamente a necessidade de ligar o aquecedor ou o ar-condicionado. A cidade convive com temperaturas negativas em seis meses do ano e com temperaturas extremamente altas nos outros seis meses. Entretanto, a média anual de temperatura fica em torno dos 24 graus. Um modelo de regime único estimaria a temperatura média como muito agradável e não acionaria nem o aquecedor, muito menos o ar-condicionado. Seria realmente necessário um modelo de dois regimes (inverno e verão) para identificar os extremos de temperaturas e a necessidade de ligar o aquecedor no inverno e o ar-condicionado no verão.
Da mesma forma, os regimes econômicos existem e identificá-los se mostra extremamente relevante para uma adequada alocação de recursos. Por exemplo, soa óbvio identificar que estamos neste momento em um período de altíssima volatilidade na bolsa e isso, claro, impacta nas variâncias dos ativos. Outro exemplo é conhecido no mercado: em períodos de crise, as correlações entre as ações aumentam consideravelmente. Trabalhar um modelo que considere as correlações históricas em um momento reconhecidamente distante da média parece ingênuo e ineficiente.
Entender como os regimes se apresentam e se sucedem é um dos segredos dos modelos de múltiplos regimes. Periodicamente, são estimadas as probabilidades de se estar em cada um dos regimes identificados e a decisão ótima de alocação da carteira para o próximo período é tomada. O contraponto dos modelos de múltiplos regimes é que eles envolvem uma matemática e um esforço computacional mais complexos.
No Brasil, modelos de múltiplos regimes já são utilizados há algum tempo para previsões econômicas (PIB, crescimento industrial, taxas de juros, câmbio etc.). Entretanto, fui o primeiro (e até agora o único) a aplicar aqui no Brasil a ideia em gestão de carteiras de investimentos. Mas, afinal de contas, o modelo produz estratégias que batem o mercado? E as respostas para testes nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil foram absolutamente positivas.
No artigo publicado na Revista Brasileira de Finanças, trabalhamos com cinco classes de ativos: livre de risco (CDI), renda variável ações (Ibovespa), renda fixa dolarizada (T-Bills), renda fixa indexada de curto e renda fixa indexada de longo prazo (respectivamente, IMA-B 5 e IMA-B 5+). Para essas classes, identificamos três regimes diferentes. A tabela abaixo apresenta o patrimônio ao fim de 2019 a partir de um investimento inicial (em dezembro de 2009) de R$ 1.000,00 em cada uma das classes de ativos e na estratégia considerada, que chamo de CGL.
A estratégia CGL apresentou o maior retorno, com folgas, em comparação com qualquer das cinco classes de ativos. Isso mostra que o modelo consegue capturar os regimes dominantes da economia e, portanto, se faz valer dessa informação na formação da sua carteira. Essa maior rentabilidade vem, entretanto, com volatilidade mais alta: 40,6% ao ano diante de 21,6% a.a. do Ibovespa. Caso essa volatilidade seja alta demais para determinado investidor, isso não é problema pois poderíamos montar uma carteira 50% no CDI e 50% na estratégia CGL. Tal carteira atingiria um patrimônio final de R$ 5.091,28 - ainda assim superior a todas as classes analisadas e com volatilidade marginalmente inferior a do Ibovespa: 20% a.a.
Se você quiser saber mais sobre a estratégia, não deixe de ler o artigo. Minha intenção com este texto foi dividir uma ideia incrivelmente simples (e natural, eu diria) que pode gerar estratégias interessantes de alocação para carteiras de investimentos. E lembre-se sempre que não há mágica alguma, mas sim um racional por detrás dos bons resultados que tenho visto em meus testes. Ao identificar diferentes regimes nos retornos dos ativos, o investidor consegue alocar melhor seus recursos, fazendo escolhas mais apropriadas: é precisamente isso que aumenta a sua rentabilidade esperada.
Trabalhar com apenas um parâmetro para representar uma determinada variável é como utilizar a média para representar cegamente o todo. Posso apostar que a média de altura dentre os jogadores de uma partida da NBA é maior do que a média de altura dos jogadores de uma partida de futebol do campeonato brasileiro. Soa óbvio, não? Então por que não fazemos o mesmo em gestão de carteiras?
Forte abraço a todos.
Disclaimer: O objetivo deste texto foi dividir com um público amplo um trabalho acadêmico. Não tenho jamais o objetivo de sugerir uma estratégia em si, mas sim fomentar a discussão e prover informações para meus leitores. Cada investidor deve fazer sua própria análise, percebendo o nível de risco que lhe é cabível, e tomar suas decisões de investimento adequadamente, por conta e risco próprios.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em sua página pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.