Olá, pessoal! Hoje falaremos do modelo mais clássico e pioneiro em gestão de carteiras. Mas antes, quero louvar o brilhante Harry Markowitz, hoje com 94 anos e ganhador de diversos prêmios, dentre eles o Prêmio Nobel de Economia em 1990. Markowitz foi a primeira pessoa a estruturar um modelo matemático de otimização para escolha de ativos numa carteira de investimentos. Seu clássico artigo acadêmico, no qual apresenta o seu modelo, foi publicado no prestigiado Journal of Finance em 1952.
Começo explicando que um problema de otimização consiste em uma situação na qual desejamos encontrar o ponto ótimo, que normalmente minimiza ou maximiza uma função objetivo. Problemas de otimização aparecem em muitas áreas do conhecimento humano, como, por exemplo, em logística, em redes de energia, no varejo e, claro, em finanças. Markowitz foi brilhante ao colocar a escolha da carteira ótima de qualquer uma das formas abaixo:
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Dado um nível de risco que eu desejo assumir, qual carteira me proporciona a maior expectativa possível de rentabilidade?
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Dada uma expectativa de rentabilidade, qual a carteira que me proporciona o nível mínimo de risco?
Os dois problemas acima são equivalentes e Markowitz foi capaz de solucioná-los com uma elegância indiscutível. Eu ADORO dar a aula na qual apresento e desenvolvo o modelo de Markowitz. O passo a passo da demonstração é razoavelmente simples e a solução é analítica, ou seja, em forma de uma bonita equação que nos fornece os pesos (i.e., as proporções) de cada ativo considerado na carteira ideal. Markowitz foi genial em seu modelo. Todo gestor de carteiras de investimento deve estudá-lo e conhecê-lo a fundo.
Entretanto, muitos modelos teóricos não funcionam na prática e a principal razão disto é que todo modelo está baseado em premissas sobre as quais ele é desenvolvido, através de um desencadeamento lógico e matemático. E o grande problema é que o modelo de Markowitz possui premissas que o tornam ineficaz. O intuito principal deste artigo, portanto, é explicar por que o modelo de Markowitz não funciona, o que é igualmente algo que todo gestor e investidor precisa saber.
Antes das explicações, quero dizer que a ineficácia do seu modelo não diminui em nada a genialidade de Harry Markowitz. Pessoal, estávamos em 1952 (quase 70 anos atrás) e não havia nada naquela época sequer parecido. O caminho da pesquisa acadêmica é justamente esse: começamos por algo simples e teórico, sem muita validade prática, para depois irmos aperfeiçoando o modelo até torná-lo prático e eficaz. E foi exatamente isso que aconteceu na academia com relação aos modelos de gestão de carteiras. Depois de Markowitz, a literatura acadêmica da área explodiu e se desenvolveu vertiginosamente. Atualmente, temos modelos muito mais avançados (e complexos), mas com premissas realistas. Parar em Markowitz é como parar na fórmula da água, ou seja, algo bacana demais de saber, mas sem aplicabilidade no mundo real. E, o que pode ser pior: parar em Markowitz sem o conhecimento do avanço e utilizá-lo na prática pode ser profundamente danoso aos seus investimentos.
Eu mesmo dei algumas singelas contribuições à literatura acadêmica internacional em gestão de carteiras, ressaltando os dois artigos abaixo, oriundos da minha tese de PhD em 2009 (para quem quiser acessar estes e outros artigos acadêmicos de minha autoria, basta acessar carlosheitorcampani.com):
“Optimal Portfolio Strategies in the Presence of Regimes in Asset Returns” – Carlos Heitor Campani, René Garcia e Marcelo Lewin: Journal of Banking & Finance, Vol. 123, No. 106030, 1 – 17, 2021.
“Approximate Analytical Solutions for Consumption/Investment Problems under Recursive Utility and Finite Horizon” – Carlos Heitor Campani e René Garcia: The North American Journal of Economics and Finance, Vol. 48, 364 – 384, 2019.
A seguir, divido com vocês as principais razões que explicam o porquê de estratégias dadas pelo modelo de Markowitz não funcionarem muito bem.
CONFIRA: Artigos anteriores do professor Carlos Heitor Campani
1) O MODELO DEFINE RISCO DE FORMA SIMPLÓRIA
Tecnicamente falando, o modelo de Markowitz assume que apenas os dois primeiros momentos da distribuição probabilística dos retornos importam. Aliás, é precisamente por esta razão que ele também é conhecido como o modelo da média e da variância. O modelo utiliza o desvio-padrão como medida única do risco de uma carteira, esquecendo-se, por exemplo, da assimetria dos retornos (terceiro momento) e das caudas gordas, ou seja, do risco de perdas enormes tais como numa pandemia (o quarto momento probabilístico, conhecido como curtose).
Uma outra maneira, talvez mais fácil, de explicar essa limitação do modelo é que ele assume uma distribuição normal para os retornos, o que sabemos ser uma premissa não satisfeita na prática. O ditado de mercado “a ação sobe pela escada, mas desce de elevador” quer dizer exatamente que há assimetria negativa, algo não capturado pela distribuição normal. Além disso, o risco de grandes perdas é, em verdade, maior que o dado pela distribuição normal, o que se traduz por um excesso de curtose. Negligenciar esse excesso de curtose foi o que fez o famoso fundo de investimentos Long-Term Capital Investment ruir no passado (procure por esta fantástica história e veja quem estava por detrás das estratégias desse fundo).
2) O MODELO NÃO É BEM DIVERSIFICADO EM TERMOS DE FATORES DE RISCO
O modelo não se preocupa em diversificar os diversos tipos de risco que afligem o mercado porque simplesmente não incorpora diferentes fatores de risco em seu desenvolvimento. Como falei anteriormente, o risco é simploriamente dado apenas pelo desvio-padrão dos retornos dos ativos considerados para a carteira. Por exemplo: é muito comum que carteiras dadas pelo modelo sejam altamente concentradas em poucos setores ou em poucos fatores de risco.
3) O MODELO IGNORA COMPLETAMENTE AS MOTIVAÇÕES DO INVESTIDOR
Imagine um investidor que invista para sua aposentadoria. Ao chegar mais perto da aposentadoria, sabemos que a exposição a risco deve diminuir. O modelo deixa a cargo do investidor escolher como reduzir esse risco a contento, sendo completamente mudo em relação a isso. Modelos mais realistas consideram os objetivos do investimento em seus processos de otimização. Um outro contexto em que esse ponto é uma fragilidade relevante do modelo de Markowitz diz respeito aos fundos de pensão, que possuem suas obrigações para com seus contribuintes já aposentados. Nesse caso, a literatura acadêmica evoluiu para o que conhecemos por “Asset-Liability Management (ALM)” ou ainda algo ainda mais específico conhecido pela expressão “Liability Driven Investments (LDI)”. Tema aliás que também já contribui na literatura internacional com o artigo acadêmico abaixo:
“Liability Driven Investment with Alternative Assets: Evidence from Brazil” –Márcio R. Bernardo e Carlos Heitor Campani: Emerging Markets Review, Vol. 41, edição de dezembro, 1 – 15, 2019.
4) O MODELO ESTÁ INTEIRAMENTE CONSTRUÍDO EM CIMA DE EXPECTATIVAS FUTURAS DE RENTABILIDADES ESPERADAS, VOLATILIDADES E CORRELAÇÕES
Acho que todos já ouviram falar do ditado “GIGO – Garbage In, Garbage Out”, né? Pois é, todo modelo possui essa limitação: se os dados de entrada não forem fidedignos, os resultados do modelo também não o serão. Mas, o ponto aqui é que o modelo de Markowitz possui uma dependência acima da média em relação aos dados de entrada, que são variáveis latentes, ou seja, que não observamos diretamente. Modelos mais avançados lidam com a incerteza dos dados de entrada, reduzindo essa dependência e procurando entender e capturar o dinamismo do mercado. No caso de Markowitz esse é um ponto nevrálgico.
5) O MODELO FOI CONCEBIDO PARA UM ÚNICO PERÍODO DE INVESTIMENTO
Para mim, esta é uma baita fragilidade que a maioria dos que usam Markowitz ignora solenemente. A literatura acadêmica em gestão de carteiras trabalha há décadas com modelos dinâmicos multiperíodos de gestão de ativos. O modelo de Markowitz é, em essência, um modelo buy-and-hold, o que significa dizer que ele não prevê ou lida com rebalanceamento (ao contrário de outros modelos). O investidor deve, então, por conta própria definir esse rebalanceamento. Em última análise, basicamente, isso significa dizer que não há modelagem disponível para utilizar Markowitz no médio e longo prazo.
Um modelo dinâmico multiperíodos prevê a interação entre os períodos entre dois rebalanceamento seguidos. O que acontece com o passar do tempo é interpretado por esses modelos e essa informação é utilizada para se chegar à carteira ótima. Com Markowitz, o fato da sua carteira ter rendido muito bem ou muito mal no período anterior não impacta a decisão de investimento para o período seguinte, o que é, no mínimo, contraintuitivo. Não podemos pensar que a utilização do modelo de Markowitz de forma sequencial produzirá uma estratégia ótima global até porque, de forma geral, a soma de estratégias ótimas não necessariamente produzirá uma estratégia global ótima. Aliás, podem acreditar que na maioria das vezes isso produzirá uma estratégia bastante aquém da ótima possível.
Além do exposto, há um grande problema intrínseco do modelo de Markowitz na hora de escolher a periodicidade do rebalanceamento da carteira. Parece claro que rebalancear muito pouco acarretará utilizar parâmetros de entrada do modelo que não refletirão as mudanças costumeiras do mercado, o que o mata pela fragilidade número 4 acima. Mas, por outro lado, o rebalanceamento frequente incorrerá na consequência desastrosa apontada no parágrafo anterior. É o famoso “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Esse problema tem sua origem precisa no fato do modelo não lidar com rebalanceamentos em sua construção.
Pessoal, é isso. Espero que tenham gostado, escrevo com muito carinho e responsabilidade. Convido a me seguirem nas redes sociais, pois compartilho bastante conteúdo de educação financeira e de investimentos. Conto muito com vocês para me ajudarem a espalhar educação financeira e de investimentos por todo esse nosso Brasil.
Forte e respeitoso abraço.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ – Cátedra Brasilprev e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.