Nesta semana, dividirei com vocês os resultados do meu mais novo artigo acadêmico, escrito em coautoria com Fábio Civiletti e o professor Raphael Moses Roquete, da UFRJ. Pensamos no investidor não sofisticado, ou seja, aquele que não possui milhões de reais para investir, muito menos tempo o suficiente para se dedicar integralmente ao mercado financeiro. Este investidor precisa de uma estratégia simples, eficiente e eficaz. Infelizmente, este nicho de investidores raramente é atendido pelo mercado por não alcançar o tamanho mínimo necessário à contratação de consultores profissionais qualificados ou mesmo ter acesso às assessorias de investimento.
O estudo focou em estratégias no mercado de ações (bolsa brasileira) e teve, obviamente, todo um rigor acadêmico respeitado, culminando no aceite para publicação em uma das revistas acadêmicas mais conceituadas em nosso país: a Brazilian Business Review. Para aqueles que desejarem ler o estudo integralmente, basta acessar aqui.
Nesta análise, verificamos a persistência de retornos no mercado brasileiro de ações por meio de estratégias estruturadas em torno do “efeito momentum”, expressão originária do latim que identifica o atual momento de cada empresa. Este efeito já foi constatado pela literatura acadêmica em muitos mercados internacionais. Claro que ele não afirma que empresas que performaram bem recentemente seguirão performando muito bem no futuro. Não é bem isso. A diferença é sutil, mas relevante: o efeito momento afirma que uma carteira bem diversificada com ações que vem performando bem recentemente tem boas chances de performar acima da média no futuro próximo. A carteira precisa estar bem diversificada para minimizar efeitos idiossincráticos, isto é, efeitos peculiares e passageiros que não tendem a se sustentar. E nem todas as ações com bom momento seguirão performando acima da média, mas há razões para se acreditar que a média dessas ações tende a performar acima da média do mercado no futuro próximo.
Fazendo um paralelo com o futebol, se olharmos no passado e sempre apostarmos no último campeão brasileiro, erraríamos bem mais do que acertaríamos, pois tivemos poucos bicampeões nacionais (em sequência). No entanto, se pegarmos uma carteira com os cinco melhores times de um ano, nossas chances de acerto aumentariam e muito para o ano seguinte. Parece óbvio né? E é, então por que não aplicamos esse conceito com ações? Esse é o cerne da questão por detrás do efeito momento.
Para ponderar as ações na carteira, utilizamos o clássico 1/n, ou seja, sempre que a carteira é rebalanceada, compramos o mesmo montante financeiro de cada papel selecionado (carteira igualmente ponderada). Esta técnica, simples e até ingênua, surpreendentemente funciona e eu já escrevi sobre ela aqui. Decerto, não é a ponderação que uma estratégia sofisticada e com as técnicas mais avançadas de alocação de carteiras irá escolher. Mas assim como a maioria das pessoas não têm uma Ferrari e ainda assim estão contentes com seus carros, tais técnicas mais elaboradas nem sempre estão ao alcance do investidor não sofisticado e, a bem da verdade, a simplicidade e facilidade de implementação do rebalanceamento igualmente ponderado pode, sim, justificar seu uso por esse tipo de investidor. No artigo, como sempre deve ser na academia, justificamos com rigor a escolha do efeito momento e da ponderação 1/n com base na literatura acadêmica específica.
Para dar robustez à análise, selecionamos 32 estratégias baseadas no efeito momento positivo recente, bem como 32 estratégias baseadas no efeito momento negativo recente. As variações que dão origem às estratégias se deram por meio de diferentes parâmetros, tais como número de papéis na carteira, frequência de rebalanceamento (i.e., quando reajustamos a carteira) e indicador para seleção dos papéis (i.e., que métrica indica o atual momento da empresa). Para se ter uma boa ideia de que tínhamos por grande objetivo manter regras simples e custos baixos em cada uma das estratégias, trabalhamos com carteiras rebalanceadas apenas uma vez no ano ou no máximo três vezes por ano: em outras palavras, o investidor monta a carteira no primeiro dia útil do ano e “a esquece” por todo o ano (ou, no mínimo, por quatro meses). Além disso, consideramos carteiras com um total de 5 a 20 ações: uma carteira com 5 ou mesmo 10 ações corre sério risco de estar ineficientemente diversificada.
As limitações impostas acima geram carteiras naturalmente em desvantagem, mas nosso propósito foi exatamente mostrar que mesmo diante dessas sérias restrições, o efeito momento se faz presente. O período analisado foi de janeiro de 2009 a dezembro de 2018 e as performances das carteiras formadas foram comparadas entre si (momento positivo vs. momento negativo) e em relação ao desempenho do BOVA11 (ETF que tem como objetivo replicar o Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro). Os custos transacionais foram devidamente considerados.
Os resultados foram interessantes e, creio, justificaram o rápido processo de aceite na Brazilian Business Review (um artigo acadêmico pode levar até dois anos para ser aceito). Simplesmente todas as 32 carteiras compostas por ações com momento positivo apresentaram retornos medianos superiores aos daquelas compostas por ações com momento negativo, independentemente da especificação dos critérios de formação das carteiras. Além disso, todas as 32 carteiras com efeito momento positivo bateram o BOVA11 com retornos (ajustados ou não ao risco) maiores. No caso menos favorável, o Índice de Sharpe da carteira foi o dobro do apresentado pelo ETF de Ibovespa, enquanto no caso de maior disparidade, o Índice de Sharpe da carteira de momento superou em cerca de 20 vezes o do BOVA11. A figura abaixo ilustra a evolução patrimonial de R$ 10.000,00 investidos de 2009 a 2018 segundo uma das carteiras formadas pelo efeito momento. Para efeito comparativo, a mesma evolução caso este montante tivesse sido investido no ETF BOVA11 é apresentada.
Nota: Em preto, a evolução patrimonial de R$ 10.000,00 investidos de 2009 a 2018 segundo uma das carteiras formadas pelo efeito momento. Em cinza (mais claro), a mesma evolução se o investimento tivesse sido no ETF BOVA11.
Cabe dizer que, para investidores sofisticados, uma estratégia long-short com a estratégia de efeito momento positivo na ponta comprada e a estratégia de efeito momento negativo na compra vendida parece ser igualmente interessante no médio e longo prazo. Uma alternativa seria ter na ponta short futuros de Ibovespa (altamente líquidos e acessíveis a qualquer investidor), em que pese essa estratégia reduzir o efeito momento (porque muito provavelmente o investidor terá igualmente vendido papéis de momento positivo).
A pesquisa conduzida conclui, portanto, que há indícios representativos de efeito momento no mercado acionário brasileiro, oportunizando ao investidor não sofisticado estruturar sua estratégia de investimento com base em tal fenômeno. Portfólios igualmente ponderados formados por ativos vencedores se se mostram uma alternativa de fácil implementação e gestão mesmo para investidores não sofisticados, além de apresentarem indícios de uma relação risco-retorno altamente competitiva.
Forte abraço a todos.
Disclaimer: O objetivo deste texto foi dividir com um público amplo um trabalho acadêmico. Não tenho jamais o objetivo de sugerir uma estratégia em si, mas sim fomentar a discussão e prover informações para meus leitores. Cada investidor deve fazer sua própria análise, percebendo o nível de risco que lhe é cabível, e tomar suas decisões de investimento adequadamente, por conta e risco próprios.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.