Por mais bolsonarista que se queira ser, não há negar que hoje a sociedade se divide em no máximo 30% de defensores do Presidente 70% de opositores, desencantados com o primarismo político dele.
Entretanto, o sucesso da mobilização pró-Bolsonaro do 7 de setembro choca-se com esses números, pois o comparecimento ao evento pró-impeachment foi uma fração minúscula da onda amarela que ocupou as principais avenidas no País, no dia da Independência.
Como explicar o aparente paradoxo?
Claro, a divulgação do evento chapa-branca teve muito mais fundos e profissionalismo do que o de domingo último. Porém, quantas vezes já vimos o povo ocupando as praças aos milhares, apesar do amadorismo na sua convocação? Água morro abaixo, fogo morro acima e o povo quando quer mudanças, não há o que segure. Que o digam Collor e Dilma.
A evidência passada sugere que o povo se mobiliza em torno de mensagens claras, consensuais e emocionantes. E a convocação para a manifestação de 7 de setembro cobria todos estes aspectos, algo como:
O Presidente, legitimamente eleito por mais da metade dos brasileiros, se declarava ameaçado, amordaçado, subjugado por um poder judiciário truculento e por um legislativo omisso e fisiológico. “Vamos defender nosso herói” era a motivação dos que foram às ruas; ele sobreviveu a uma tentativa de assassinato e várias cirurgias para lutar pelas bandeiras que sempre defendeu. E agora, tentam ganhar o jogo na mão grande?
Esta mensagem é simples de se captar e envolvente, não há como um simpatizante do Presidente não se sentir atraído por uma causa tão importante e urgente.
E do outro lado?
Um saco de gatos, cachorros, carneiros, raposas e dinossauros. Tirante os escassos idealistas empedernidos, duas motivações guiavam as ações dos líderes deste movimento: a vontade de eliminar já o candidato à reeleição e ocupar o espaço que ele deixaria. Não se consegue galvanizar o povo em torno desta ação difusa, conflitante e contraditória.
Na verdade, mesmo um eleitor que se sente envergonhado e irritado com o despautério presidencial recorrente não necessariamente esposa a tese do impeachment. Com o galardão de ter recebido nesta coluna cerca de 2 mil insultos de bolsominions por afirmar que Bolsonaro estava dando tiro no próprio pé, sou visceralmente contra o impeachment. Repare, se o impedimento do Presidente se concretizar, dos 5 presidentes que elegemos desde o fim da ditadura, 3 teriam sido ejetados antes do final de seus mandatos: um escárnio antidemocrático. Mais: quanto mais rotineiro for o impeachment, mais irresponsável será o eleitor na eleição seguinte: afinal, se o eleito não for bom, cartão vermelho nele! Democracia é um processo de aprendizado longo e tortuoso, em que o povo amadurece ao longo tempo, internalizando os sucessos e decepções de suas escolhas passadas.
Em vez do “Fora Bolsonaro!” se a mensagem de convocação da manifestação do domingo fosse uma narrativa salientando que as instituições democráticas estão sendo ameaçadas pelo Presidente e que o povo não permitirá que os arbítrios ditatoriais do passado voltem a dominar, teríamos um mote emocional construtivo, impessoal, sem comprometimento eleiçoeiro e do agrado dos milhões que abominam Bolsonaro. E o comparecimento domingo último teria sido muito maior.
Mas a verdade é que a entrada de ex-presidente Temer, logo após a manifestação de apoio à Bolsonaro, esvaziou o risco institucional. De repente, lubrificado pelo mestre da conciliação, Bolsonaro se tornou o Messias Ternurinha, disparando telefonemas amistosos para os inimigos da véspera, jurando amor e circunspecção eternos.
Talvez, então, os dois eventos tenham tido o condão de nos tornar uma democracia mais equilibrada: Bolsonaro provou que não está morto politicamente, desde que seja mais pessoa jurídica e menos pessoa física; Supremo e Congresso viram seu flibusteiro recuar e se fortificaram. E os grupos de apoiadores e opositores se manifestaram livre e entusiasticamente, sem conflitos, intolerâncias ou aguçamento de rivalidades.
Aprende aí, Trump!