O ato de negociar precede a racionalidade dos seres. Esse simples fato nos ajuda a entender o ímpeto animal de tentar atender aos seus instintos — muitas vezes de forma irracional, muitas outras em detrimento dos interesses dos próprios pares.
São muitas as tentativas de enquadrar o processo ideal para se obter sucesso numa negociação. Algumas com mérito científico, mas nenhuma aplicável de forma generalista ou sem ressalvas relevantes.
Dito isto, ao invés de tentar parafrasear as teorias existentes no tema achei melhor apenas compartilhar algumas reflexões e experiências que possam talvez ajudar a enxergar alguns ângulos diferentes das negociações e, quem sabe, melhorar as probabilidades de êxito em suas próprias negociações.
1. O que não é uma negociação: De nada adianta tentar mediar uma luta entre uma formiga e um elefante. Não há negociação onde não há um interesse comum a ser perseguido. Quando um dos lados apenas impõe seus interesses, existe apenas coerção.
2. ZOPA: Uma negociação só se torna possível quando as partes envolvidas possuem alguma sobreposição de interesses. Para identificar essa zona de interesses compartilhados alguns utilizam o acrônimo ZOPA, ou Zone of Potential Agreement. Dentro dessa zona, todas as partes envolvidas têm seus interesses atendidos. É o famoso “ganha-ganha”.
3. BATNA: Por vezes o ZOPA não é viável, mas ainda existem zonas em que a negociação é possível, apesar de deixar uma das partes não tão satisfeita. Para essas situações criou-se o termo BATNA de “Best Alternative to a Negoatiated Agreement”. É o famigerado “Plano B”, no qual se identifica o limite até onde uma das partes concorda em aceitar os termos, apesar de não estar totalmente de acordo com o resultado. Tão importante quanto planejar antecipadamente os limites do seu lado da mesa, é tentar identificar as fronteiras do lado oposto. Tive um chefe que tinha um mantra: “uma boa transação de M&A só se concretiza quando os dois lados terminam ligeiramente insatisfeitos”. Ou seja, além de identificar o BATNA antecipadamente, sabe-se que uma negociação complexa é composta por diversas negociações paralelas e complementares. Na compra de uma empresa, por exemplo, se discute além do preço, a forma de pagamento, as garantias exigidas, o day after etc.
4. Custos de transação, recorrência e disponibilidade de informações: Quanto maior a frequência da negociação, menores são os custos de transação. Num mercado de commodities, em que não há diferenciação dos produtos, os custos de transação são reduzidos desde os gastos de certificação, passando pelos ganhos de escala de rotas logísticas até os riscos de erro de avaliação do underlying asset. No lado oposto, imagine um ativo que é negociado apenas uma vez, como por exemplo a venda de uma empresa: os custos de transação são bem maiores devido ao ineditismo daquela situação. Se investe na construção de canais de comunicação, auditorias de validação das premissas, se gasta energia no valuation do ativo e dos seus riscos contingentes além, é claro, de depender da habilidade dos negociadores que estão representando as partes interessadas de cada lado.
5. Reputação dos negociadores: à medida que aumentam os riscos de avaliação (causados por indisponibilidade de informações, por exemplo), maior é a importância da imagem dos negociadores. Um ditador não se pode dar ao luxo de ter suas ações questionadas. Mesmo adotando um perfil carismático, a imagem de mão de ferro precisa ser mantida a qualquer custo.
6. Competição vs. Colaboração: Como ressaltei no início, só existe negociação quando as partes possuem uma intersecção de interesses compartilhados. Disto isto, por vezes a competição dita o tom da negociação e por outras se busca uma solução que seja o resultado de uma discussão mais branda. Não há certo ou errado, mas ao longo do tempo reconhecemos os padrões do cenário mais favorável a cada situação. O emblemático good cop / bad cop ou a expressão tropicalizada “morde/assopra” ilustra bem a situação em que a alternância entre agressividade e colaboração pode funcionar bem nas negociações.
A maior parte das negociações de M&A são mantidas em sigilo, mas pudemos acompanhar alguns casos recentes de negociações desta natureza, como, por exemplo, as constantes negativas do management da Br Malls sobre as propostas da Aliansce (SA:ALSO3) e as ameaças de convocação forçada dos minoritários em uma AGE faziam parecer que a transação jamais aconteceria... Até o dia que anunciaram o aceite da fusão, mas dessa vez com os CEOs das empresas abraçados e sorrindo.
7. Vieses de comportamento: Os avanços na área de finanças comportamentais têm dominado os papers e prêmios Nobel de economia. Assim como mencionei no topo deste artigo, temos a convicção de que a leitura e a observação de comportamentos não racionais continuarão protagonizando a maior parte das negociações de M&A. Money talks, bullshit walks, sem dúvida. Mas as demais variáveis subjetivas como o ego e o medo sempre terão relevância nas negociações. Mesmo com o advento dos fundos quantitativos (que, em tese, mitigariam os vieses de comportamento humano por meio do uso de inteligência artificial e algoritmos 100% racionais) é notadamente reconhecido que os padrões humanos de euforia vs. pânico continuarão presentes nos mercados que são, no final do dia, operados por pessoas.
8. Skin on the game: Nada mais importante do que identificar os reais interesses dos negociadores. Como negociador do buy-side, sempre preferi tratar diretamente com os donos das empresas, eles sim sabem o impacto de uma negociação em seu bolso ou nas contingências que podem recair sobre seus herdeiros. Um advisor de M&A é frequentemente assediado pela opção de correr para um término rápido de uma negociação, por vezes em conflito com um cenário em que o empresário tem mais a ganhar em simplesmente não fazer o deal. Aliás, conflitos de interesses e governança corporativa merecem um artigo à parte (comentem aí se quiserem uma continuação deste tema!)
Enfim, tentei compartilhar aqui algumas das variáveis que impactam as negociações, especialmente na nossa rotina em transações de M&A. Apesar de termos aqui leitores mais interessados nas negociações em bolsa, acho interessante ressaltar que os tomadores de decisão das empresas que investimos (ou shorteamos) também estão sujeitos a esse conflito perpétuo entre pragmatismo e racionalidade vs. vieses comportamentais. Aliás, ao terminar esse artigo num Dia das Mães, receio que as habilidades de negociação tenham mais importância em nossas casas do que em nossos escritórios.