Sempre gostei muito de analogias, parábolas e ilustrações. São recursos linguísticos usados há centenas de anos por grandes escritores e oradores para ensinar e fixar conceitos abstratos e complexos.
Certa vez, li em um livro infantil a seguinte ilustração:
Todos os domingos, uma mãe entregava duas moedas para sua filha antes de esta ir para a igreja.
— Filha, esta moeda é para você dar de oferta, e a outra é para você comprar um sorvete.
Certo domingo, no caminho para a igreja, a menina tropeçou e, na tentativa de se proteger da queda, abriu a mãozinha e uma das moedas caiu em um bueiro. Ao notar que não seria possível resgatar a moeda, a menina exclamou:
— Lá se foi a moeda do Senhor!
Essa breve ilustração me ajudou, ainda criança, a compreender alguns conceitos abstratos e é facilmente aplicável ao universo dos investimentos também.
Em uma mão, a menina tinha a moeda do sorvete, o montante que representava o valor patrimonial ou equity. Na outra, uma dívida com a igreja, a moeda destinada à doação.
O tropeço ou a volatilidade destruíram permanentemente uma parte relevante do capital. Em um mercado com baixíssima regulação como esse, o direito do credor de reivindicar seus ativos pode não ser respeitado.
No mundo real, o que não faltam são exemplos de baixa regulação, excesso de volatilidade, falência, inadimplência e conflitos de interesse. Convivemos com esses riscos diariamente, mas a realidade é que, em momentos difíceis de mercado, eles ficam mais evidentes. É aí que muitos investidores passam a dar a devida atenção a eles.
Tal como no exemplo, o momento atual não é dos melhores para o mercado brasileiro. No mercado acionário, estamos oficialmente no bear market, com queda superior a 20% desde as máximas em junho deste ano. Muitos fundos de ações acumulam perdas nos últimos meses, as posições em títulos prefixados têm sofrido com o ciclo de alta dos juros e as manchetes de política entregam uma enxurrada de “surpresas esperadas” com a aproximação do ano eleitoral.
Se o contexto atual é convidativo para repensar suas alocações, sugiro olhar não apenas para o que anda no vermelho nos últimos tempos.
Uma cilada bastante comum no mercado brasileiro é a de fundos de investimento com taxas de administração excessivamente altas. Essa é uma forma de o gestor garantir o dinheiro do sorvete às custas do investidor.
Nesta quarta-feira (3), nós publicamos um relatório com os nomes dos 150 maiores fundos de previdência pós-fixados que cobram taxas excessivas e raramente batem o CDI em janelas de dez anos ou mais.
Ao todo, são cerca de R$ 450 bilhões empoçados nesses fundos, algo em torno de 6% do PIB brasileiro ou cinco vezes o rombo previsto (até agora) no teto de gastos do governo.
Além do alerta, o relatório também mostra o que fazer caso você seja investidor de algum desses fundos e alguns aspectos técnicos a se considerar antes de pedir a portabilidade para um outro fundo de previdência.
Um de nossos compromissos é evitar que seus investimentos virem apenas a sobremesa dos gestores.