Olá, investidores.
Você, investidor de fundos, tem deixado bastante dinheiro na mesa e hoje vou te explicar o porquê disso.
Ode às narrativas
Os psicólogos modernos possuem uma fixação maior por entender como pensamos e tomamos decisões, o que é uma área interessante.
O prêmio Nobel, Daniel Kahneman, e seu parceiro, Amos Tversky, entre outros pesquisadores da área, já propuseram que o modelo mental de escolha seja baseado em um sistema dual (Sistema 1 e Sistema 2).
O Sistema 1 consiste na tomada de decisão rápida, automática e intuitiva. Enquanto você lê essas palavras com os olhos e em silêncio, você está justamente utilizando ele.
O Sistema 2 é o reino do pensamento consciente, onde você processa as informações. É quem interroga os pensamentos do Sistema 1, buscando entender se aquilo realmente faz sentido.
Em grandes linhas, é tão simples quanto isso. É claro que o Sistema 1 não pode concluir qualquer tipo de coisa, afinal, o cérebro humano exige ordem. Nesse aspecto, somos ótimos em contar histórias, criar narrativas para justificar uma sequência lógica de fatos.
É aqui que surgem os problemas para o investidor. Ao acreditar em qualquer sequência de fatos que parecem fazer sentido, sem se questionar a respeito, acabamos caindo em armadilhas que nos fazem perder toneladas de dinheiro.
O investidor parece, muitas vezes, tomar todas as decisões somente com o Sistema 1, e o que aconteceu com os multimercados nos últimos meses é a maior prova disso.
Seguir narrativas custa caro
Os últimos 8 meses foram extremamente estranhos para uma pessoa que, assim como eu, acompanha os fundos de investimento.
Mês a mês, observei a indústria de fundos multimercado de estratégia macro sangrar em resgates em um movimento intenso. Somente como ordem de grandeza, com os dados disponíveis até março, o resgate na classe foi em torno de 27 bilhões de reais, cerca de 15 por cento do patrimônio gerido pelos gestores.
Confesso que a intensidade do movimento me deixou intrigado. Quais seriam as potenciais causas?
Há diversas histórias a serem contadas.
Seria a performance menos destacada da classe em 2021?
A crença (infundada) de que multimercados não ganham dinheiro com o ciclo de alta da Selic que viria?
Alta da Selic e a fuga para fundos de crédito privado? Uma competição com as LCAs, LCIs e títulos privados em geral?
Meu caro, pode ter sido tudo isso ou nada disso, mas o fato é que o dinheiro saiu da classe em massa, como quem corre um grande perigo. Inventou-se todo tipo de racional para aposentar os multimercados e caminhar a passos largos à renda fixa.
Algumas histórias pareciam até bem contadas, mas mal sabiam eles que estavam cometendo um grande erro na ânsia de tomar decisões no calor do momento.
Novamente, era o Sistema 1 pregando uma peça.
Enquanto os investidores abandonavam os gestores de multimercado, com medo dos fracos resultados à frente, a classe teve um dos seus melhores resultados da história.
Vamos a alguns dados:
- Em termos absolutos, a média dos multimercados (IHFA) teve um resultado de 6,12 por cento. Isso configura o 2° melhor trimestre do indicador desde 2008, quando foi criado.
- O IFMM, existente desde 2000, teve seu 22° melhor resultado da história, caracterizando o primeiro quartil.
No entanto, como o nível do CDI influencia o resultado da classe, a melhor comparação é quando olhamos para o retorno acima do CDI. Em toda a história, os multimercados tiveram um dos 10 melhores trimestres em 22 anos!
Ao deixar seu Sistema 1 tomar as decisões, você se torna mais suscetível às narrativas contadas no mercado.
A consequência disso? Você deixou de aproveitar um dos melhores momentos para estar investido nos multimercados em sua história.
Mas essa não é a única lição, existem outras duas mensagens que queria passar.
Isso não é novo
O interessante de tudo isso que relatei até agora é que nada disso é novo. Se homens das cavernas pudessem investir em fundos, eles buscariam estar no melhor investimento do ano.
É como se existisse uma certa obsessão envolvendo esse tema. Um instinto primitivo e incontrolável do ser humano.
A questão é que diversos estudos já mostraram que o ato do cotista ficar migrando de fundo em fundo buscando “a melhor oportunidade” é o caminho mais fácil para perder dinheiro no mercado.
O experimento mais conhecido foi feito com o fundo do famoso investidor Peter Lynch, que teve um retorno médio de 29 por cento ao ano, por 13 anos, e o resultado médio de seus cotistas foi negativo.
Uma nova versão tupiniquim foi promovida pela gestora Alaska, a qual mostrou que 60 por cento dos cotistas permanecem no máximo 1 ano no fundo e 34 por cento perde dinheiro em um fundo com o retorno médio anualizado de retorno de 22 por cento ao ano.
A literatura apelidou esse fenômeno de Behavioral Gap, uma diferença entre o retorno entregue na cota e o retorno obtido pelo cotista.
Então aqui vai a lição 1: não fique pulando de galho em galho.
Dito isso, por que o cotista faz isso se é tão danoso? Talvez exista uma crença de que é possível ter uma antevisão em relação ao futuro de que vai acertar a classe vencedora no momento seguinte.
A questão é que nenhum de nós possui essa força preditiva. Acertar previsões é uma arte muito ingrata, difícil e pequenas variações afetam altamente o resultado.
Não é à toa que os meteorologistas fazem previsões para a temperatura do dia seguinte e ainda assim cometem erros. Os economistas mais inteligentes do país cometem grandes erros em acertar a inflação ou o PIB do ano.
Fazer previsões para o futuro é uma arte complexa, então grave o seguinte: “um especialista não tem capacidade maior de previsões do que um chimpanzé atirando dardos.”
Não caia nesse erro, você nunca vai acertar. A única coisa certa é que você deixará dinheiro na mesa.
Dito isso, vamos ao que interessa.
Não busque ser um gênio
Largue essa ideia de tentar ser um “trader de fundos”, alterando completamente a sua alocação com base no que você acha que é a “próxima grande oportunidade do mercado”.
Deixe de lado um pouco o seu Sistema 1 e dê espaço para o Sistema 2 florescer e questionar as ideias.
Dito tudo isso, o que você precisa fazer consiste em uma estratégia bem simples: (i) selecionar uma carteira com bons gestores de multimercado; (ii) ter uma alocação estrutural em multimercados.
O sucesso está em fazer essas duas coisas. É tão simples quanto isso.
Se você seguir uma filosofia bem definida, os resultados vão aparecer, não tenho a menor dúvida.
De novo, é sobre investir em gestoras boas e se manter alocado. Você não sai de um multimercado pelo menos antes de 3 anos investido (a não ser que alguma hecatombe tenha acontecido no fundo).
Haverá tempos difíceis para a classe, não tenho dúvida. Ninguém ganha dinheiro sempre.
Porém, para quem está pensando nos próximos 2 a 3 anos, acredito que os investidores que aproveitarem este momento para investir serão muito bem recompensados.
É claro, conte comigo para saber quem são as melhores de fato, afinal, investir em qualquer fundo só lhe trará mais dor de cabeça e pouco resultado.
Abraços