Provavelmente um dos assuntos mais polêmicos das criptomoedas é sua estrutura política. As criptomoedas procuravam, inicialmente, ser independentes de confiança em contrapartes e essa narrativa continua até hoje. Contudo, conforme discutido em minha última coluna, a solução para os problemas causados pelo ególatra Craig Wright foi justamente uma auto-regulação das organizações da criptoeconomia. Em outras palavras, a solução foi um boicote por parte de players relevantes da comunidade, algo profundamente político. Essas decisões abrem precedentes que, para não serem abusados, trazem para investidores preocupações com culturas e instituições. Compreender a questão organizacional traz vantagens para desenhar cenários futuros.
Isso se dá porque ao passo que a governança das transações e minerações em criptomoedas é regida por uma estrutura tecnológica, é necessária também uma governança da própria estrutura. Os pesquisadores Primavera de Filippi e Benjamin Loveluck argumentam que essa estrutura dual esteve no núcleo de forks como entre o Bitcoin e Bitcoin Cash. Por um lado, um fork pode representar uma falha no processo político que deveria gerar uma resposta que mantivesse a comunidade coesa; por outro, pode ser visto uma possibilidade inteiramente nova que permite eliminar a médio prazo elementos não críveis da comunidade. Qual das visões é mais provável?
Se a perspectiva de falha no processo for correta, significa que estruturas tradicionais com menos opções de saída dos players é melhor. Dessa maneira, uma organização tradicional como uma empresa teria como tocar melhor um projeto relacionado à criptoeconomia. Isso parece falho a depender das maiores criptomoedas. Dos maiores projetos com algum nível de originalidade – nada contra stablecoins ou exchange coins, mas elas não são centrais no mercado em termos de atração de investidores – poucos são tocados por empresas e são eclipsados por Bitcoin e Ethereum. A estrutura colaborativa não parece estar atrapalhando grandes projetos.
Outra evidência interessante é a dada pelas consequências em valor de mercado de forks. Quando houve o fork entre Bitcoin e Bitcoin Cash, ambos os projetos tiveram capitalizações razoáveis. O Bitcoin conseguiu manter a maior parte do valor, pois foi capaz de criar um consenso a respeito de riscos de maiores blocos. Da mesma forma, quando houve o fork entre Ethereum e Ethereum Classic houve o fomento de um razoável de que apoiar quem sofreu com o hack malicioso do TheDAO era justo. O lastro disso vem da credibilidade dos líderes dos projetos: os projetos que vingaram mantiveram a maior parte dos desenvolvedores que já faziam um trabalho crível anteriormente. No fork entre Bitcoin Cash e Bitcoin SV, por mais que o Bitcoin Cash seja um projeto sério, sua origem como fork “não tão bem-sucedido do Bitcoin” trouxe facilidades para players menos críveis tentarem capitalizar em cima de um novo fork.
Não é ousado afirmar que mesmo projetos descentralizados e abertos podem ser dependentes de alguma liderança e isso é um elemento político. Há quem veja isso positivamente ou negativamente, mas essa estrutura faz emergir similaridades entre projetos de criptomoedas descentralizadas e empresas em termos de governança. Como numa empresa, a saída de membros menos importantes não afeta um grupo crível com liderança presente, porém pode afetar uma firma cujas lideranças têm menor nome no mercado. A diferença é que num meio de criptomoedas, por liderança não quero dizer uma pessoa, mas um conjunto de players coeso como no Bitcoin e Ethereum. A médio prazo, a reputação desses grupos indica que o projeto pode sobreviver a crises e, infelizmente para os mais radicais que ainda acreditam no poder absoluto da estrutura tecnológica, isso depende de pessoas.