Ontem se concretizou o Fork do Bitcon Cash. Felizmente, o projeto de Craig Wright de atrapalhar tanto o Bitcoin quanto os desenvolvedores sérios do Bitcoin Cash não foram tolerados por parte significativa da comunidade. O fork da Bitcoin ABC domina em termos de nodes e hash power, além de ter um roadmap mais significativo e interessante. Ainda há questões de concentração de mineradores a se observar, mas isso é questão de médio prazo e não há como avaliar agora. Porém, vamos ao que interessa: o que isso muda no mercado?
O Bitcoin Cash é a quarta maior criptomoeda em capitalização de mercado, sendo não desprezível para observar o ecossistema como um todo. Entretanto, vale notar que o Bitcoin tradicional ainda possui uma capitalização de mercado 14 vezes maior, menor volatilidade e maior capacidade de reservar valor. De maneira geral, a dominância do Bitcoin é tão enorme -- cerca de 52% -- que a maior parte das movimentações na concentração de mercado no fundo se refletem nessa variável.
Nenhum fork, seja no Bitcoin ou outra moeda, foi capaz de ameaçar essa liderança. O momento mais tenso para os maximalistas Bitcoin foi o chamado “The Flippening”, período começado em março de 2017 quando a dominância BTC estava em 83% e caiu rapidamente a 38% em junho. Nesse período houve forte apreensão sobre o Ethereum ser a principal criptomoeda, aumentando sua participação de 8% a 40%. Como todos vocês sabem, essas expectativas se dissiparam, ao menos no curto prazo, e o Bitcoin, apesar de não ter voltado a sua dominância anterior, ainda é a âncora desse mercado.
Contudo, o fork de ontem causou uma mudança mais sutil. Craig Wright é um falastrão, mas sua ameaça de ataque de 51% na rede do recém-criado Bitcoin Cash ABC poderia ter consequências sérias. Até pouco tempo antes do fork, o site “cash.coin.dance” -- fonte crível apesar do nome -- estimava que de fato ele teria maior poder computacional que o projeto da ABC. Roger Ver e Jihan Wu, fortes proponentes do Bitcoin Cash, se opuseram a Craig Wright e mineram também BTC. Houve algum medo deles minerarem menos BTC e mais BCH para garantir a segurança contra ataques de Craig Wright. Na esteira desse medo, houve mesmo matérias falsas sobre Jihan Wu -- um dos líderes da gigante de mineração e produção de ASICs Bitmain -- ter perdido influência em sua companhia.
Por um lado, isso significa a forte oposição a um fanfarrão como o Faketoshi; por outro, mostra a fragilidade de projetos interessantes a personagens que não deveria ter tanto poder. Mais importante: isso significa que o Bitcoin, rede mais importante e que ancora diversas expectativas, pode ser afetado por projetos consideravelmente menores. O ecossistema de governança é radicalmente afetado quando as redes compartilham hash functions e permitem algum outro tipo de interoperabilidade. Ambas essas características são tendências: a primeira no curto prazo, a segunda no médio.
Em resumo, o fork mostrou uma fragilidade e capacidade de contágio de expectativas assustadora entre moedas consolidadas e as recém-criadas a depender da vontade política dos players. Num momento de maior pessimismo, cheguei a ver a questão como um sinal da falência do Proof-of-Work a médio prazo (por algumas outras evidências como as discutidas aqui), mas ainda é cedo para falar. Entretanto, designs de moedas mais robustos a contágios causados por similaridades entre funções hash podem ser importantes e vale se informar sobre esse aspecto nas moedas nas quais investimos.