Muito é dito sobre o Bitcoin ser usado como um meio de pagamento universal em contraposição ao dólar. A maioria dessa argumentação é algo inútil para investidores, mas há um ponto que deve ser considerado: a premissa do Bitcoin ser usado monetariamente é baseado no fato que ele não tem inflação. Dessa maneira, ele é um lastro seguro como o ouro, porém com vantagens de transmissão. Como tal, o Bitcoin se tornou uma alternativa a diversos libertários que defendem o fim do que acreditam um poder excessivo do Banco Central.
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Sinceramente, acredito esse debate mais ideológico que exatamente informado, porém a questão da inflação do Bitcoin é particularmente fundamental. Muitos argumentos passam por afirmar que hard forks causam inflação numa criptomoeda. Quando ocorre um hard fork, na maioria dos casos, você recebe tanto a quantidade inicial das moedas digitais que possui, quanto uma quantidade proporcional da nova criptomoeda. As redes compartilham todo o passado, porém há tokens diferentes para as transações futuras. Ao contrário de um caso de migração de um padrão consolidado (como o dólar) para um novo (Bitcoin) - que envolve a criação de uma nova estrutura e rede de usuários -, não há complicações em migrar de Bitcoin Standard para, por exemplo, um Bitcoin Cash Standard. Isso, mesmo sem haver um amplo uso das criptomoedas como meio de pagamento, leva a preocupações por emissões.
O que de fato impede ambas as moedas a serem usadas, gerando, portanto, inflação? Primeiramente, para um fork ser bem sucedido, tanto desenvolvedores quanto mineradores devem ter incentivos para garantir sua constante atualização e segurança, respectivamente. Na história das criptomoedas, nenhum grande hard fork sem o time original superou a utilização da sua versão inicial. Até o relativamente bem sucedido Bitcoin Cash não foi longe em superar o Bitcoin em capitalização de mercado e volume de transações. A Ethereum Classic apareceu após uma disputa controversa depois de um hack e não foi considerada como substituta adequada à Ethereum. Nem mesmo a ZClassic conseguiu substituir a ZCash, apesar de ter cortado os tributos dos fundadores; esse tributo destina um percentual de 20% das novas moedas mineradas a ZCash Foundation, Company e fundadores. O papel de um time forte de core developers não deve ser negligenciado.
Além do mais, dez anos ainda é pouco tempo para afirmar que haverá sempre essa tendência, mesmo com a regularidade empírica. De maneira geral, podemos acreditar numa causação entre maior segurança e maior volume de transações. Há, também, uma possível causação entre preços e segurança. Se o fork não tem maior preço a médio prazo, ele não é crível como meio de troca. Considerando esse aspecto, não há como afirmar que os forks normalmente serão mais adotados que as criptomoedas originais para pagamentos, a menos que eles ofereçam outras vantagens. Há, de maneira geral, um sistema se retroalimentando para manter grandes os projetos que são relevantes. Além do mais, no improvável caso de um sistema monetário baseado numa criptomoeda qualquer, pode haver ainda certas restrições de órgãos estatais e setores regulados a aceitar forks, ajudando a fortalecer a segurança e adoção das criptomoedas já consolidadas. Atualmente, um mecanismo similar é como os mineradores, exchanges e grandes players se atualizam frente a um novo fork.
Novamente, não acredito que o Bitcoin ou alguma criptomoeda chegará a lastrear economias significativas no curto prazo, porém o debate sobre o uso real de novas criptomoedas que compartilham base de usuários e passado é fundamental. Além do mais, há muitos motivos para questionar a função das criptomoedas no ordenamento de um sistema monetário internacional: atacar espantalhos não faz sentido e cria ruído num assunto de interesse de diversos investidores. Nesse caso, pensar em questões monetárias e, de certa maneira, tão apaixonadas, pode não valer a pena pro médio prazo.