Eu nunca presenciei um incêndio e espero que nunca presencie, mas de uma coisa eu tenho certeza: não é aquilo que eles demonstram nos treinamentos de incêndio.
Nesses treinamentos, tudo ocorre pacificamente. As pessoas descem as escadas calmamente, sem qualquer estresse ou aborrecimento. Agora, imagine o evento real. Você está tranquilamente deitado em sua cama quando alguém grita no corredor: FOGOOOOO!
A reação que eu espero não é de pessoas pacificamente levantando de suas posições e calmamente se dirigindo até as saídas. Na verdade, é aquele tumulto louco, cada um tentando passar por cima do outro para acessar a saída.
A mesma lógica pode ser observada nos mercados, somente trocando a palavra “fogo” por “inflação”. Esse é o maior pavor do mercado. A impressão que tenho é que todos estão próximos da porta e, ao menor sinal de fogo, todos tentarão sair por essa mesma porta.
Uma “leve” versão disso aconteceu nesta semana, com os dados de inflação americana acima do esperado e derrubando os mercados.
Em momentos como este, com a bolsa próxima às máximas e os riscos inerentes ao mercado, muitos investidores me perguntam qual a melhor hora de entrar em fundos: “Eu compro agora?” ou “Espero cair mais um pouco?”.
Para entender isso, vamos esclarecer algumas coisas.
O tal do comprar “barato”
Quando analisamos ações, há duas grandes dimensões importantes : (i) o preço que se paga para ser sócio deles e (ii) a qualidade dos negócios que você investe.
Dito isso, um negócio maravilhoso precificado que crescerá até engolir a terra pode ser perigoso. O Rafael Ragazi, meu sócio, diria que você precisa encontrar negócios que tenham GARP (growth at a reasonable price – crescimento a um preço razoável).
Ao mesmo tempo, péssimos negócios a preços baixíssimos também são complicados, afinal, eles podem certamente continuar deteriorando ou continuar baratos para sempre (as famosas value traps).
No final do dia, é disso que se trata uma análise de ações. Acredito que, de forma geral, as pessoas físicas já entenderam a primeira parte da história e diria que até internalizaram isso na alma.
A partir daí, começaram a se questionar se o mesmo vale para outras partes do mercado. A preços mais razoáveis, nós costumamos ter mais margem de segurança. Entretanto, em fundos de investimentos, somente parte dessa história se aplica.
Cotas de fundo, por exemplo, não ficam mais caras ou baratas justamente porque sempre negociam o valor patrimonial (o dinheiro que está lá dentro). Quando as cotas caem ou sobem, elas não possuem esse componente que as torna caras ou baratas no processo. Logo, não há momento “certo” para entrar no fundo.
É importante você definir uma disciplina de aportes, somente isso.
Fora isso, no fantástico mundo dos fundos de investimento, suas energias precisam ser gastas em entender a qualidade dos negócios (gestoras) que você se torna sócio.
É disso que se trata.
Foco na qualidade
Sem a variável “preço” na jogada, nosso foco na indústria de fundos é exclusivamente entender a qualidade das gestoras que investimos. A qualidade pode ser medida tanto em relação aos resultados que a gestora entrega quanto em relação aos resultados que foram construídos.
A primeira parte dessa equação é estritamente quantitativa e envolve entender com profundidade se aquela gestão sabe ganhar dinheiro. Porém, isso tudo é sempre um olhar para o retrovisor.
É por isso que gastamos bastante tempo entendendo como aqueles retornos foram construídos e as capacidades daquela gestora de continuar entregando bons resultados. Essa parte é crucial e é aqui que se ganha (ou perde) o jogo.
Nessa caminhada, nós olhamos tudo que envolve as pessoas e os processos. Avaliar uma gestora, a meu ver, é entender essas duas partes.
É por isso que despendemos tempo conhecendo a equipe, a estratégia, o processo de investimento, as formas de incentivo que são dadas para os talentos permanecerem na casa, o funcionamento da sociedade etc. É isso que nos dirá sobre a qualidade dos resultados que encontraremos à frente.
Em um universo de mais de 20 mil fundos, pouquíssimos deveriam ser aqueles que merecem o privilégio de receber o seu (e o meu) dinheiro.
Um abraço.